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Bandeiras, camisas, brucutus: Copa do Mundo soterrada pela política
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Outro dia, novo episódio da tristeza que se arrasta. Ia de casa para o metrô. Passei na frente de uma loja que faz ótimos pães de mel. Fica de esquina, meio escondida, longe das regiões hypadas de São Paulo. É quase um segredo. Com portas de vidro, da rua deu para notar a camisa amarela embrulhada num plástico e pendurada na parede. Mais um lugar em que agora terei dificuldade para voltar, pensei. Não há como ver bandeiras do Brasil ou camisas da seleção sem pensar na monstruosidade política.
Nem comentei com ninguém, mas pago minha língua mesmo quando não abro a boca. Um par de dias depois, liga o cunhado. O Rô, pode buscar uns pães de mel pro meu aniversário? Posso, claro, vamos lá. Uma caixa pra ele, um punhado pra mim, pagamento feito. A atendente oferece um cupom. É pra concorrer à camisa da seleção, pra torcer na Copa. Ri em silêncio. Mesmo com o álbum quase completo e antecipando trabalhos para ficar mais sossegado no final de novembro, a Copa pouco ronda minha cabeça.
Sorri. Agradeci. Dispensei o papel do sorteio. Disse que temia ser confundido com bolsonaristas pelas ruas. Ela deu uma risada sem graça, concordou, ponderou que a Copa seria só depois das eleições. Tudo bem, mas deixa a camisa pra lá. Nunca fui com a cara da seleção brasileira, não será agora que vou criar simpatia por ela. Pouco depois, me lembrei da loja ao trombar com a foto de um povo pintando a rua de verde e amarelo sob uma faixa bem grande que informava: não é política, é Copa.
Da parte dos livros, ou a Copa foi esquecida ou preciso recalibrar o meu olhar. Rara exceção é um infantil que saiu pela Vacatussa. Escrito por Thiago Corréa Ramos e ilustrado por Eduardo Padrão, em "Dona da Copa" acompanhamos Martinha, pequena de quatro anos que descobre como o maior evento do mundo é capaz de transformar pessoas. Batizada em homenagem à craque Marta, a garotinha vê os dias ficarem conturbados e seu pai bitolar entre jogos e discussões de mesa redonda. É simpático observar o olhar da criança confusa ao só encontrar marmanjos nos pacotinhos de figurinhas.
O clima retratado em "Dona Copa" é o que todo apaixonado por futebol anseia. Mas as coisas andam estranhas. A história da camisa, a patriotada brucutu pelas ruas, a pindaíba do país... São raras as conversas sobre o que rolará no Catar mesmo na mesa do bar. No máximo falamos de favoritismos, desprezamos algum jogador ou enaltecemos qualquer outro. Nem reclamações sobre o estapafúrdio Grupo B, sem nenhuma seleção razoável para torcer, surgiram ainda. Tenho minhas dúvidas se a Copa deste ano será uma Copa como toda Copa deveria ser. Espero que seja só má impressão.
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