Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Amizade e afeto: a força dos elos criados pela literatura
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O salão do Sesc Santa Rita já estava tomado hora antes de o papo sobre o centenário de José Saramago começar. Durante a conversa, plateia abarrotada de leitores interessados em ouvir algo de bom a respeito do autor de "Ensaio Sobre a Cegueira" e "Evangelho Segundo Jesus Cristo". Empolga, mas não surpreende. Fizessem uma pesquisa, penariam muito para achar por Paraty um punhado de visitantes da Flip que não admire o português.
Saramago é um caso precioso de identificação entre público e autor. Quando passava pelo Brasil, costumava brincar que o coração poderia pifar com tanto carinho. Um carinho que também encontrava em outros cantos da América Latina. Há relatos de que a festa pelo Nobel de 1998 também foi imensa na Argentina, no México, na Colômbia. O entusiasmo segue vivo. Quando um leitor começa a falar com outro sobre Saramago, abre-se um mundo feito de personagens inesquecíveis, histórias fantásticas e predileções inesgotáveis.
Saramago é um nome que, ao ser evocado, estabelece prontamente certa cumplicidade e admiração entre dois papeadores que poderiam ser completos desconhecidos até poucos minutos antes. Há escritores com esse poder. Quando um leitor encontra outro que também reconhece o valor da chilena Andrea Jeftanovic de pronto se instala aquela sensação de bom segredo compartilhado. Samanta Schweblin, argentina enfim mais reconhecida, já cumpriu papel semelhante e segue como elo confiável. Natalia Ginzburg é capaz de gerar amizades sinceras assim que é citada.
Há os admirados que provavelmente pela unanimidade e frequência com que são lembrados não parecem gerar conexões tão potentes num curto espaço de tempo. Penso em Machado, penso em Clarice. Em Lygia, não. Talvez por ser um monumento menos onipresente, a autora de "As Meninas" e "Antes do Baile Verde" segue com incrível poder de transformar em íntimos aqueles que lhe admiram profundamente. Se a conversa enveredar por seus contos, capaz até de pintar convites para casamentos.
Outro com essa potência é Murilo Rubião. Experimente: elogie o mineiro, festeje seus contos fantásticos. Vai ver: nem tanta gente assim saberá exatamente do que você está falando. Alguns poucos, contudo, reconhecerão na manifestação a chance de também transbordar por esse grande tesouro meio escondido de nossa literatura. "Conhece Rubião? Pô, quer ser meu amigo?", talvez alguém diga. E vale apostar nessa eventual amizade: os elos criados pela literatura possuem uma força incrível. Os afetos saramaguianos estão aí para confirmar.
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