Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A leitura apedrejada pelo terror e o papel da imprensa no caldo golpista
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Seria um domingo tranquilo. Depois de sair com o cachorro, buscar umas cervejas no mercado e aproveitar promoções de chocotone, preparei meio balde de café e fui para a biblioteca. Passaria algumas horas com a Bel, minha esposa, dando novo arranjo ao labirinto de livros. Lá pelas tantas, entre uma troca e outra, levantei para um gole de cachaça. Vi a notícia: o bicho estava pegando em Brasília. Foi-se o sossego. Foi-se a ideia de aproveitar o restante do final de semana para finalizar a leitura de "Afirma Pereira", do italiano Antonio Tabucchi (Estação Liberdade, tradução de Roberta Barni).
Há pouco Pereira assumiu a edição do caderno cultural de um jornal vespertino de Lisboa. O norte do trabalho é bem claro: seguir a cartilha do periódico e fingir que não vivem uma anomalia política. Se assassinatos de trabalhadores são ignorados, não é com García Llorca que Pereira se preocupará nas páginas do suplemento. Uma literatura que supostamente passe longe de ideologias é a mais recomendada. Clássicos servem como bom refúgio para que a realidade na qual está metido seja ignorada - caminho algo covarde e nada ingênuo também comum em nossos dias.
O ano é 1938. O horror se espalha pela Europa: Mussolini na Itália, Hitler na Alemanha, Franco na vizinha Espanha. Salazar em Portugal mesmo... Pereira, bom funcionário, faz soar como se tudo seguisse normal pelas ruas e aldeias ibéricas. Parece tentar acreditar que o país vive mesmo uma pasmaceira tão insossa quanto sua dieta baseada em omelete de queijo ou ervas aromáticas e limonada adoçada demais. O terror em Brasília veio enquanto o protagonista dava indícios de que deixaria de ser um palerma.
Algum tempo depois dos extremistas atacarem o centro do poder em Brasília, o colega Mário Magalhães observou: o UOL estampava em sua manchete a palavra "terroristas" para se referir aos delinquentes, enquanto O Globo e o Estadão optavam pelo eufemismo "manifestantes". "O jornalismo tem que chamar as coisas pelo devido nome", registrou o autor da biografia de Marighella (Companhia das Letras) e de "Sobre Lutas e Lágrimas" (Record), a respeito da chegada do bolsonarismo ao poder, livros centrais para a compreensão do que estamos vivendo.
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