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Todo Dia a Mesma Noite: vale a pena ler o livro?
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A história é triste, dura e bastante conhecida: no dia 27 de janeiro de 2013, uma pirotecnia desastrada deu início ao incêndio que resultou numa das maiores desgraças de nosso passado recente. Das pessoas que estavam naquela madrugada na boate Kiss, tomada por jovens, 242 morreram e mais de 600 ficaram feridas. O horror primeiro mobilizou, depois abalou e, em seguida, deixou Santa Maria e arredores num difícil processo de luto.
O que se passou na cidade de tradição universitária cravada no miolo do Rio Grande do Sul agora virou série com direção de Julia Rezende. Não assisti nem pretendo ver. Não por indiferença ao horror criminoso, nada disso, mas por ainda tentar digerir boa parte do que li no livro que deu origem à produção que chega aos expectadores pela Netflix. "Todo Dia a Mesma Noite", de Daniela Arbex, é daquelas obras que voltam à mente para nos deixar pensativos.
Conheci o trabalho de Daniela bem antes de a jornalista se debruçar sobre o episódio dantesco. Com "Holocausto Brasileiro - Genocídio: 60 Mil Mortos no Maior Hospício do Brasil", livro a respeito de décadas de carnificina no manicômio de Barbacena, que veio a admiração pela forma da colega arquitetar reportagens pujantes, cheias de cenas duras e revoltantes, sempre com o cuidado de humanizar as vítimas ao mesmo tempo em que investiga o que e quem estão por trás dos crimes e de que forma esses pesadelos terrenos são tratados pela justiça. Camadas de sacanagens burocráticas e malabarismos jurídicos são constantemente revelados nos escritos de Daniela.
Indiquei "Holocausto Brasileiro" para quem pude indicar. Sempre fazia uma ponderação: leia esse livro num momento em que estiver legal da cabeça, meio tranquilo com a vida. Não me pareceria uma boa deixar aquelas porradas nas mãos de gente já bastante abalada pelos próprios problemas. Mantenho essa ponderação para outros livros que compõem o que há de melhor e de mais revelador na obra da jornalista. "Arrastados - Os Bastidores do Rompimento da Barragem de Brumadinho, o Maior Desastre Humanitário do Brasil" é outro título tão indigesto quanto necessário - deixo aqui a resenha dele e um papo com a autora.
É nessa linhagem que se encaixa "Todo Dia a Mesma Noite" (Intrínseca, como os demais mencionados). Li o trabalho em situação adversa, como jurado do Prêmio Jabuti de 2019, ano em que Josélia Aguiar venceu a categoria de Biografia e Reportagem com a história de vida de Jorge Amado. O livro de Daniela deixou marcas profundas mesmo tendo a atenção dividida com centenas de outros concorrentes.
A incredulidade das famílias, as despedidas e encontros dramáticos, a mobilização de socorristas, enfermeiros e médicos, o choque entre os sobreviventes... São elementos que retornam à mente sempre acompanhados de um imaginado e algo indescritível cheiro de vida queimada. O cinismo e o desprezo de autoridades e pessoas responsáveis pelo que aconteceu na Kiss, num processo marcado pela impunidade, ainda revoltam.
Se vale a pena encarar o livro de "Todo Dia a Mesma Noite"? Vale, sem dúvidas. Mas vá com o emocional bem preparado; não será uma leitura serena.
Todo dia a mesma noite - A história não contada da boate Kiss
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