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Salazar: O patético final de um ditador feito de tonto até a sua morte

O ditador português António Salazar - Arquivo
O ditador português António Salazar Imagem: Arquivo

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

01/02/2023 04h00

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A história da derrocada de Salazar, ditador que comandou o fascismo português de 1933 a 1968, é mesmo peculiar. Fragilizado e doente, ficou afastado do poder nos dois últimos anos de sua vida. Só que o homem não sabia disso.

Habitualmente recluso, Salazar acreditava que as ordens emitidas a partir da casa onde repousava seguiam sendo obedecidas por supostos subordinados. Para criar a ilusão de que ainda tinha alguma importância, pessoas próximas forjavam reuniões enquanto edições falsas de seu jornal de confiança chegavam às suas mãos.

Marcelo Caetano passou a comandar o país e Salazar foi feito de tonto até a sua morte, em julho de 1970. Parte desse patético ocaso do crápula que não ditava, mas ainda impunha temor, está em "A Incrível História de António Salazar, o Ditador que Morreu Duas Vezes", do jornalista italiano Marco Ferrari. Publicada originalmente em 2020, agora a obra chega ao Brasil pela Todavia, que optou por trabalhar com a tradução do texto lançada em Portugal, assinada por Vasco Gato.

Histórias de déspotas são muitas vezes surpreendentes. Há uma polpuda tradição de latino-americanos que escreveram sobre brucutus da região. Penso, por exemplo, em "O Senhor Presidente", do guatemalteco Miguel Ángel Asturias, ou em "A Festa do Bode", do peruano Mario Vargas Llosa, um dos melhores romances deste século.

Na não ficção, o polonês Ryszard Kapuscisnki foi tão a fundo em mexericos palacianos que há quem considere títulos como "O Imperador", sobre o etíope Hailé Selassié I, exemplos de jornalismo fantástico, uma notória contradição.

'A Incrível História de António Salazar, O Ditador que Morreu Duas Vezes', de Marco Ferrari - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Lembro esses nomes porque quem entrar no livro de Ferrari esperando por algo semelhante poderá sair um tanto decepcionado. Há, claro, passagens pouco à vista do grande público sobre a vida de Salazar. Estão ali a forma como o delicado pé impactou em seu processo de queda e o momento em que um jornalista sacou a tramoia feita para enganar o ditador. Fora a peculiar condução de seu afastamento do poder, no entanto, sobra pouca coisa para sabermos a respeito do cotidiano do tirano dono de uma vida comedida.

Salazar não dava mais do que vinte passos nem dizia mais do que vinte palavras seguidas, lemos. Evitava ao máximo viagens. Enquanto esteve à frente de Portugal, saiu do país apenas três vezes, sempre para compromissos na vizinha Espanha, em cidades próximas à fronteira. Misógino e misantropo, soava como assexuado - dizia-se casado com a pátria. Bicava vinhos e adorava café, mas ficava só no cheiro para evitar a agitação que a bebida lhe provocava. Seu maior prazer era passear pelo zoológico.

Ao se debruçar sobre um ditador que se impunha como uma misteriosa assombração, não surpreende que Ferrari passe boa parte das 200 páginas de seu livro traçando um bom panorama da história portuguesa durante meados do século passado.

A forma como o país se distanciou da Segunda Guerra, a proximidade cheia de desconfianças ao franquismo espanhol, as últimas tentativas de manter territórios invadidos na África e na Ásia, as ações de independência de países como Angola e Moçambique e os movimentos de resistência e combate à ditadura que resultaram na Revolução dos Cravos estão ali.

"A Incrível História de Salazar, o Ditador que Morreu Duas Vezes" funciona melhor como introdução ao salazarismo, ao Estado Novo e a uma ditadura que deixou mais de 20 mil mortos do que como um esmiuçar da figura de António Salazar e de seu medonho final.

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