Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Vale ouvir os afiados sambas de Carolina Maria de Jesus
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Na exposição "Carolina Maria de Jesus - Um Brasil para os Brasileiros", que esteve em cartaz em São Paulo no Instituto Moreira Salles, o que mais me chamou a atenção foi a última sala visitada.
Num espaço com ares apoteóticos, conhecíamos facetas de Carolina que sempre ficaram à sombra de sua história pessoal e da carreira como escritora. Um clima de festa abraçava vestidos desenhados e músicas compostas pela artista. "Uma mulher negra feliz é um ato revolucionário", líamos no letreiro em destaque.
Limitar Carolina à figura da autora que expôs a revolta com a vida miserável que levava é reduzi-la a algo quase excêntrico. Ela também era uma mulher do samba, das marchinhas, do Carnaval. Costurava as próprias roupas para os festejos e burilava canções e melodias. Tanto que em 1961, um ano após publicar "Quarto de Despejo", viu suas composições virarem disco com o mesmo nome do livro consagrado.
Agora as 12 faixas do álbum publicado pela RCA na década de 1960 voltam ao público numa releitura. Produzido por Sthe Araujo e reunindo uma grande equipe de músicos, "Bitita - As Composições de Carolina Maria de Jesus" chega aos nossos ouvidos pelo Selo Sesc e desde sexta está disponível em diversas plataformas de streaming.
Amores, intrigas, traços da vida na favela e retratos do perrengue cotidiano estão nas canções de Carolina. Entre as faixas encontramos gente que não tem casa nem comida. Que, apesar de tanto trabalhar, vive na miséria, sem vestido, sem sapato, sem chapéu. Passa os dias apenas de tanga, muito triste, descontente.
Também nos deparamos com a força de Maria, que vara a noite na gafieira e gosta de todos, mas não é de ninguém. Conhecemos a vedete da favela, que ficou vaidosa porque teve um retrato publicado no jornal. Ouvimos sobre a polícia que chega para acabar com a festa animada e o falastrão que conta vantagem mas desmaia quando a coisa aperta. Malandro, pau d'água e grã-fina sem noção são outros personagens explorados por Carolina.
De faixa em faixa, são muitos os pontos de contato possíveis de se observar entre as músicas e o cotidiano de resiliência e indignação que a artista levou para seus livros. A luta de classes, a fome e as sacanagens sociais ficam escancaradas em "O Pobre e o Rico". Nela escutamos sobre a carne que só aparece no prato dos abastados, as guerras feitas por ricos onde são os pobres que vão para morrer e a distância entre o povo e os "negócios da nação".
Carolina é afiada em suas marchinhas, em seu samba, em seu carnaval. Não surpreende. Falamos, afinal, da artista que procurou, com a própria obra, construir trincheiras que pudessem servir para mudar o que apontou em "Quarto de Despejo": "O povo brasileiro só é feliz quando está dormindo".
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