Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Mauricio de Sousa merece uma vaga na Academia Brasileira de Letras?
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Dei risada. Um dos concorrentes à cadeira da Academia Brasileira de Letras (ABL) pleiteada por Mauricio de Sousa parece encarar o criador da Turma da Mônica como uma ameaça aos livros. Na sua visão, eleger o quadrinista significaria colocar a literatura em risco. O jornalista James Akel, autor de "Marketing Hoteleiro com Experiências" e da peça "República das Calcinhas", é o dono do argumento com a cara da guerra aos gibis travada uns 70 anos atrás.
Rebaixar as HQs é estupidez mofada. E tentar colocar Mauricio de Sousa como adversário dos livros soa como a delírio de alguém que desconhece o Brasil. Num país com problema crônico na formação de leitores, talvez Mauricio tenha sido a pessoa que mais contribuiu para que parte da população ainda dê atenção à literatura.
Pergunte por aí: como você começou a ler? A chance dessa pessoa incluir gibi e a sexagenária Mônica e sua turma na resposta é imensa. A história se repete tanto que soa como clichê. Com as revistinhas em mãos que milhões de brasileiros aprenderam a sossegar num canto e mergulhar em narrativas dispostas em um punhado de folhas, a descobrir um outro mundo conforme viram as páginas. Mauricio é fundamental e incontornável em nossa história com e leitura.
Quadrinho não é literatura. É uma arte com características próprias que dialoga com tantas outras. E não que isso seja um problema para a Academia. Há tempos que a ABL é diversa em alguns aspectos, às vezes até excêntrica. A casa de Machado de Assis comporta também Merval Pereira, hoje seu presidente. Gente de áreas como a música e as artes cênicas estão por lá, vestindo fardões, tomando chás da tarde e esperando pelo beija-mão dos que desejam uma vaga na instituição.
Em entrevista ao jornalista Felipe Branco Cruz, Mauricio disse ficar triste porque não fala latim ou grego como alguns de seus prováveis futuros colegas. Interessante: a raiz do muxoxo converge com certo anacronismo da Academia, enquanto a chance de um quadrinista integrá-la é uma novidade boa, conectada com mundo que caminha pra frente (direção nem sempre seguida pelos imortais, conforme comentado aqui neste papo com Conceição Evaristo).
Há quem torça o nariz para Mauricio por outros motivos, sei disso. Faz tempo que o empresário parece se sobrepor ao artista. Nunca escondeu o lado conservador ao dizer que diversas questões só vão parar em seus gibis após estarem meio que consolidadas na sociedade. Tem o direito de não produzir uma arte que seja ponta de lança de qualquer debate, faz parte.
Mais um dentre milhares ou milhões de leitores formados com a ajuda dos gibis de Mauricio, hoje me incomodo com certo ar de Proerd de muitas histórias. Também lamento ver a turminha usada para fazer propaganda das Forças Armadas entre ditaduras, torturas e golpismos ou da Rota, como num quadrinho que saiu quase que ao mesmo tempo do fundamental "Rota 66", no qual Caco Barcellos desnuda uma série de crimes da corporação.
Entre contradições e méritos inegáveis, que Mauricio fique com a vaga da ABL.
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