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Key Alves: o que faz um livro no circo das celebridades virtuais?

A agora leitora Key Alves - Reprodução/Globoplay
A agora leitora Key Alves Imagem: Reprodução/Globoplay

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

31/05/2023 04h00

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Key Alves já foi jogadora de vôlei razoável e participou do BBB. Não sei muito bem o que faz da vida agora, mas com frequência emplaca auês na internet. Nesta semana, pipocou pelas redes após dizer que, aos 23 anos, enfim lerá o seu primeiro livro. Me lembrei de Irene Vallejo, autora do cativante "O Infinito em um Junco" (Intrínseca). Logo explico.

Gente da mesma linhagem de Key chama a atenção com notícias superlativas que costumam envolver sexo, grana e/ou doses de estupidez. Soltam suas cascatas e viram notícias declaratórias com chamadas vistosas acompanhadas de fotos sensuais. Muitas pessoas clicam e outros tantos performam revolta, indignação ou apoio nas redes. Então o circo segue.

Curioso ver um livro e o ato de ler ganhando espaço nesse picadeiro onde celebridades virtuais se engalfinham pela atenção do público. Foi com "O Coach do Foda-se - Uma Estratégia Para Você Parar de se Importar" que Key alardeou sua suposta estreia como leitora.

Posso até imaginar o conteúdo da obra e, pelo que vislumbro, fico na minha para não soar leviano. Mas pouco importa. O foco do texto não está no título do canal Diva Depressão publicado pelo selo juvenil Outro Planeta.

Por que um livro entra nessa jogada? Fácil. Outro dia Key estava com o papo de se sentir atraída pela inteligência. Agora diz que fará sua primeira leitura, o que tantos fazem ainda na infância. Está aí o caminho para virar motivo de comentários mesmo entre quem não lê absolutamente nada desde que saiu da escola.

Dá, claro, para ser inteligente sem ler. Também há diversos leitores que são tapadíssimos. O que importa mesmo é o que está nas páginas de um livro e a relação que o leitor estabelece com o texto.

Independente do conteúdo, porém, o objeto livro segue visto como um símbolo poderoso. Dizer que terá a primeira experiência como leitora aos 20 e tantos anos soa similar a contar que passou duas décadas da vida não estando nem aí para qualquer esforço intelectual. É fácil ser sapiosexual quando todo mundo é mais inteligente do que você, brincam pelo Twitter.

Disse que me lembrei da filóloga espanhola Irene Vallejo. Isso porque em certa altura de "O Infinito em um Junco" ela argumenta que é mais provável o livro, tecnologia milenar, seguir em nosso cotidiano daqui a algumas décadas do que criações mais recentes (o celular, por exemplo) conseguirem tal feito.

É mais fácil pintar uma invenção que torne obsoleto o que nasceu ontem do que surgir alguma novidade que realmente substitua algo que nos acompanha há milênios. Os livros foram decisivos para a transmissão do conhecimento de geração para geração de humanos. Junto disso, ao longo de séculos e mais séculos foi moldada a imagem do livro como sinônimo de sabedoria.

Uma autoproclamada sapiosexual que diz ter passado seus 23 anos de vida longe de qualquer livro, objeto associado à inteligência, ao conhecimento. Com essa construção que Key e, provavelmente, seus assessores jogaram para manter a moça em evidência nesta semana. Logo inventam um novo número.

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