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Entre raio laser e fãs enlouquecidas, RPM virou lenda viva da música pop

Capa do disco "Rádio Pirata Ao Vivo" - Reprodução
Capa do disco 'Rádio Pirata Ao Vivo' Imagem: Reprodução

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

15/06/2023 11h58

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É a morte de Luiz Schiavon, um dos músicos do RPM, que me leva de volta a "Dias de Luta - O Rock e o Brasil dos anos 80". Quando era moleque, li e reli esse livro-reportagem quase que com a mesma frequência que revisitei os primeiros livros da saga de Harry Potter. A obra de Ricardo Alexandre sobre algumas das minhas bandas favoritas — destaque para Legião e Paralamas — ganhou uma edição recente pela Arquipélago, mas é a antiga que tenho em mãos, publicada pela DBA em 2002.

Retiro o livro da estante para passear por algumas passagens sobre o RPM, fundado e forjado por Schiavon ao lado de Paulo Ricardo. E digo forjado porque o sucesso alcançado pelo grupo ali por meados dos anos 1980 não foi mero acaso, uma sequência de golpes de sorte, e sim a concretização de algo vislumbrado e planejado pela dupla. Luiz e Paulo entendiam um bom tanto dos meandros da indústria pop.

No auge do sucesso do RPM, vez ou outra a banda precisava ser transportada em carros blindados — fãs já tinham destruído táxis — e garotas tentavam chegar aos músicos invadindo hotéis até pelos telhados. Com esse nível de estrelato que a banda subiu ao palco do Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo, para gravar dois shows em 1986.

As apresentações deram origem ao álbum "Rádio Pirata Ao Vivo", recebido com desconfiança pela imprensa, lembra Ricardo Alexandre. Como assim um grupo que começara há pouco já apostava num álbum ao vivo reunindo quase que o repertório do disco de estreia, "Revoluções Por Minuto", lançado no ano anterior?

A verdade é que uma versão amadora de um show do RPM fazia sucesso no mercado clandestino. Isso forçou o grupo a gravar e publicar o registro sobre o palco. E com músicas como "Revoluções Por Minuto", "A Cruz e a Espada", "Olhar 43", "London, London" e "Alvorada Voraz", o álbum se tornou um dos mais emblemáticos do rock nacional. "Rádio Pirata Ao Vivo" vendeu 500 mil cópias antes mesmo de chegar às lojas e pouco tempo depois bateu a marca dos 2 milhões de discos.

"A mesma TV estatal francesa que filmara o velho show do Noites Cariocas voltou ao Brasil para um especial completo sobre a banda. O Globo Repórter dedicou uma edição inteirinha, de uma hora, ao fenômeno. Caetano elogiou publicamente os ombros de Paulo Ricardo. Até dezembro, cada repemê lucraria com a turnê um valor superior ao prêmio da Loto na época, sem contar direitos autorais. Paulo Ricardo se tornou um símbolo sexual sem precedentes no pop brasileiro, e todos na banda ganharam status de semideuses greco-romanos", escreve Ricardo Alexandre.

O que se seguiu foi uma turnê com 270 shows em 15 meses — média de 18 apresentações por mês. Entre viagens, drogas, farra e muito sexo, Schiavon seguia acompanhando os números do grupo. Constatou que em cada cidade em que tocavam a vendagem do álbum simplesmente duplicava.

Segundo Ricardo, naquela altura, o RPM era "um mito, uma lenda viva, um pedaço da história que se exibia, cercado de raios laser, para milhares de adolescentes enlouquecidos". Para Nelson Motta, jornalista e crítico musical, tratava-se de uma banda de rock perfeita e acabada, com um grande instrumentista nos teclados, posição ocupada por Schiavon.

Tocaram na praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, para mais de 50 mil pessoas. Recusaram cachê de US$ 400 mil para propagandearem calças jeans que não usavam. "Já se falava em longa-metragem para o cinema, show para índios no Xingu e carreira internacional", lembra o autor em "Dias de Luta".

Depois é a vez do próprio Luiz Schiavon analisar com sobriedade aquele momento do RPM: "Estávamos num caminhão sem freio na ladeira. Sabíamos que ia ser uma porrada, mas não havia o que fazer. Tentávamos levar da melhor maneira possível. O que aconteceu com o RPM foi algo incontrolável. Qualquer coisa que a gente fizesse seria capa de revista. Para arrefecer a febre, fomos tocar em botequim dos Estados Unidos, mas mesmo lá foi uma zona, a coisa repercutia aqui. Foi um consumo de imagem fora do controle".

Tanto que, após décadas e entre idas e vindas da banda, a imagem do RPM segue colada àquele momento.

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