Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Pagu será a homenageada da Flip; hora de refletirmos sobre arte engajada
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Patrícia Rehder Galvão, a Pagu (e Mara Lobo ou King Shelter, outros de seus muitos pseudônimos), será a homenageada da 21ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que rolará entre os dias 22 e 26 de novembro. Mulher de vida singular, ativista politica que se transformou num símbolo das lutas feministas, ainda na adolescência Pagu esteve no centro do movimento Modernista em São Paulo. Atuou em diversas frentes da palavra: foi jornalista, poeta, romancista, crítica e tradutora que verteu para o português nomes como Joyce, Kafka e Octavio Paz. Sua vida intensa se encerrou em 1962, aos 52 anos.
Para Fernanda Bastos, uma das curadoras desta edição da Flip, homenagear Pagu é jogar luz numa autora que olhou para problemas do país e criou uma estética para enfrentar a misoginia, o racismo, o que nos permite pensar sobre um Brasil possível a ser construído. Já Milena Britto, a outra curadora deste ano, considera a homenagem um movimento para projetar um nome que ficou à sombra de muitos dos seus contemporâneos, além de pensar numa artista apaixonada por experimentos, que provocou incômodos por onde passou.
A escolha também cria uma oportunidade para pensarmos questões candentes no meio literário. Pagu casou jovem, foi soberana com seu corpo, antecipou batalhas feministas que ecoam em nossos dias e, ao longo da vida, bateu de frente com pessoas e instituições que tentaram lhe controlar. Lutou contra a ascensão fascista, militou pelo PCB e depois rompeu com a organização. Foi presa muitas vezes. Na mais longa das detenções, passou mais de 4 anos, entre 1935 e 1940, trancafiada pela ditadura de Vargas por participar de levantes comunistas. Sairia do cárcere com problemas físicos e emocionais que a fariam tentar o suicídio.
É evidente a força da biografia de Pagu. São admiráveis muitas das bandeiras que defendeu. E não parece ser por acaso que essa trajetória marcada pela atuação política, institucional ou não, venha à frente da literatura que produziu quando seu nome é evocado. A homenagem abre uma janela para pensarmos em como a figura do escritor, as ideias, as lutas, a história desse corpo que segura a caneta, interfere na maneira como recebemos (ou esperam que recebamos) a sua obra.
Pagu publicou "Autobiografia Precoce" e "A Famosa Revista", romance escrito em coautoria com Geraldo Ferraz. Usou o pseudônimo King Shelter para assinar os contos policiais reunidos em "Safra Macabra". A pedido do PCB, tascou Mara Lobo na assinatura daquele que é apontado como o primeiro romance proletário do país: "Parque Industrial", publicado em 1933, provavelmente a sua obra mais famosa.
Corrente que apresenta histórias para edificar camadas populares e exaltar oprimidos, o termo romance proletário provocava calafrios em diversos leitores pelo caráter muitas vezes maniqueísta e panfletário dos trabalhos. O que nos leva a outro assunto em voga. Ou alguém negará que vivemos numa época em que debates sobre aspectos estéticos de contos, romances e poemas acabam atropelados ou apedrejados pela defesa da camada moral de livros que tentam contribuir para causas de inegável importância e urgência?
O que encaminha o debate para um outro ponto que provoca discussões acaloradas em nossos dias: se a arte engajada tem valor ou não. É um papo que, confesso, me soa um pouco estranho. Ora, na maioria dos casos sequer sei o que pensa o escritor de um livro, então o que importa é a qualidade do texto. Nem sempre tenho (e nem faço questão de ter) acesso às ideias, embrulhadas ou não em bandeiras, por trás de uma obra.
Se a visão de mundo defendida está bem inserida no contexto da ficção, beleza. Se não passa de discurso enfadonho, melhor deixar pra lá. E se tem um texto mequetrefe ainda que sem pregações de qualquer tipo, mais literatura dispensável. Há muita coisa insossa, engajada ou não, entre esses extremos. Por outro lado, é reconhecida a qualidade de escritos que são parte da luta de um autor como Pedro Lemebel, grande ativista pelos direitos da comunidade LGBTQIA+.
Pagu é a homenageada da vez. A ver, agora, como essas questões serão ou não tratadas pela Flip e pelas discussões que cada escolha da festa pode suscitar.
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