Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ensaio e HQ ajudam a desvendar as misteriosas pinturas de Goya
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Homens que levantam os braços, levam a mão ao rosto ou se encolhem enquanto parecem suplicar pela vida diante do pelotão de fuzilamento. Uma pessoa de idade já avançada que usa a colher para pescar algo da cumbuca enquanto é observada por um espectro cadavérico. Homens enormes que trocarão bordoadas pela eternidade. Um cãozinho quase esmagado pelo cenário difuso, inóspito, amedrontador. Saturno devorando um de seus filhos.
Poucos pintores me fascinam tanto quando Francisco de Goya. Dispenso seus quadros que retratam poderosos daquela Espanha da segunda metade do século 18, início do 19. Fico com pinturas soturnas, misteriosas, cheias de referências mitológicas e composições tão perturbadoras quanto instigantes que também integram a sua obra.
Goya viveu numa Europa convulsionada por guerras e revoluções. Pintou para os endinheirados, mas também fez um trabalho que não visava agradar ou bajular ninguém. Em sua fase mais intrigante, a das Pinturas Negras, deixou registros pela casa de campo onde morava, descobertos somente após a sua morte. Sua biografia também é cercada de mistérios e incertezas.
"Afinal quem foi realmente Francisco de Goya? Um gênio coerente ou, como todos nós, contraditório? Um humanista revolucionário na arte, ou um acomodado à benevolência interesseira do trono? Ou ambas as posições?". São perguntas levantadas pela crítica literária Vilma Arêas em "Goya, A Linha de Sutura", ensaio publicado numa das preciosas plaquetes que circulam pelo Círculo de Poemas, coleção de poesia e clube de assinatura das editoras Luna Parque e Fósforo.
"Talvez possamos afirmar que Goya foi um homem bifronte, mas só na medida em que cabe na própria história e na lenda", delineia Vilma para depois se debruçar sobre diferentes momentos da vida e da obra do artista, com especial atenção às gravuras da incômoda série "Os Caprichos" — destaque para "O Sono da Razão Produz Monstros".
É um ensaio valioso para quem deseja dar um primeiro passo para aprimorar a compreensão das pinturas de Goya e notar como e por que o espanhol segue presente em nosso imaginário, fazendo sentido no mundo em que estamos metidos.
A plaquete com o ensaio de Vilma faz bom par com uma HQ recém-publicada pela Conrad. Falo de "Goya Saturnália", que tem roteiro de Manuel Gutiérrez, ilustrações de Manuel Romero, ambos espanhóis, e tradução de Claudio Martini. É um trabalho que perambula entre as facetas míticas e históricas de Goya para reelaborar a fase final de sua vida, quando, assombrado por demônios de diferentes tipos, pincelou entre 1819 e 1823 os 14 murais das Pinturas Negras.
São dessa fase monumentos como "Dois Velhos Comendo Sopa", "O Cão" e "Duelo a Bordoadas". Foram pintados em diferentes paredes de dois andares da Quinta del Sordo, nos arredores da capital espanhola, onde o artista vivia. Hoje essas pinturas estão expostas no Museu do Prado, de Madrid, um dos mais importantes do mundo.
Gutiérrez e Romero mandam muito bem ao reproduzir na HQ o clima sombrio e enigmático impregnado nessa derradeira fase de Goya. Mas não só. Com o avançar dos quadrinhos, o leitor mergulha numa história cheia de elementos fantásticos, oníricos, delirantes. Clássicos do mestre da pintura pontuam a arte da graphic novel e algumas de suas criaturas surgem como personagens da trama. Identificar cada um deles é uma diversão à parte.
"Goya Saturnália", de Manuel Gutiérrez e Manuel Romero, e "Goya, A Linha de Sutura", de Vilma Arêas, são caminhos bem distintos e muito válidos para extrapolar as pinturas de Goya e aprofundar um pouco o olhar para a obra e a vida desse artista que, séculos após a sua morte, ainda instiga e fascina.
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