Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Um livro incontornável sobre o horror causado pela bomba atômica
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Faz alguns dias que é impossível entrar em qualquer rede social sem trombar com alguém falando sobre "Barbie" ou "Oppenheimer". Parece que o cinema passou a ser regido por uma lógica meio que de torcida. Pra muita gente é inconcebível exaltar um dos filmes sem menosprezar o outro. Mas divago. A análise dos barra bravas culturais ficará para outro momento.
Julius Robert Oppenheimer, físico conhecido como o pai da bomba atômica, que inspira o filme que carrega o seu nome. Ter em evidência a história da criação da mais amedrontadora arma de destruição em massa que conhecemos é uma oportunidade para indicar um livro magistral a respeito do horror que a criação de Oppenheimer é capaz de provocar. Falo de "Hiroshima", do estadunidense John Hersey, publicado por aqui pela Companhia das Letras em tradução de Hildegard Feist.
Faço questão de resgatar essa obra-prima do jornalismo literário sempre que possível. Em 1946, um ano após o ataque atômico dos Estados Unidos contra o Japão, que Hersey viajou para Hiroshima. Passou cerca de trinta dias na cidade fazendo apurações. Conversou com muitos sobreviventes para compreender melhor o fim de mundo que viveram. Dos 245 mil moradores do lugar, cerca de 100 mil morreram assim que a bomba explodiu, mesma quantidade de pessoas que ficaram feridas.
De volta ao seu país, Hersey optou por reconstruir a hecatombe atômica pela perspectiva de seis pessoas que, por diferentes razões, sobreviveram ao ataque. Os depoimentos se misturam a cenas dantescas com ruas repletas de corpos destroçados e moribundos que vagam desnorteados. "Pessoas feridas sustentavam pessoas mutiladas; famílias desfiguradas se mantinham juntas, seus integrantes apoiando-se uns nos outros", lemos. "Hiroshima" está repleto de passagens agônicas.
A reconstrução dos dias seguintes à explosão se mescla à incredulidade dos sobreviventes que, meses depois, ainda se perguntavam por que tinham sobrevivido enquanto a vida ao redor havia sido destroçada. É um livro que impressiona pela maneira como consegue dosar as incontornáveis cenas de terror extremo com a profunda humanidade dos personagens retratados por Hersey - um padre, um jovem cirurgião, a funcionária de uma fábrica...
Cada uma dessas pessoas "atribuiu sua sobrevivência ao acaso ou a um ato da própria vontade - um passo dado a tempo, uma decisão de entrar em casa, o fato de tomar um bonde e não o outro. Agora, cada uma delas sabe que no ato de sobreviver viveu uma dúzia de vidas e viu mais mortes do que jamais teria imaginado ver", escreve Hersey no começo do seu texto.
Um texto que, não é exagero afirmar, entrou para a história. "Hiroshima" saiu no final de agosto de 1946 na The New Yorker e se transformou numa das reportagens mais icônicas do jornalismo, exemplo de todo potencial que a narrativa de não ficção pode ter.
A tiragem inicial daquela edição da revista, exclusivamente dedicada ao trabalho de Hersey, foi de 300 mil cópias, que evaporaram das bancas em pouquíssimo tempo. Ao ser transformada em livro, de cara "Hiroshima" circulou por meio de um clube de leitores que distribuiu um milhão de exemplares entre seus assinantes.
"Hiroshima" é um caso em que sucesso literário e de público caminham juntos. A obra publicada pela Companhia das Letras ainda traz o relato de uma segunda ida do autor ao Japão, décadas depois do ataque estadunidense. Para quem se interessou pelo assunto e quer extrapolar "Oppenheimer", o livro-reportahem de John Hersey é uma preciosidade incontornável.
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