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E as notas? A controversa decisão editorial para a biografia de Oppenheimer

Cillian Murphy vive J. Robert Oppenheimer no filme dirigido por Christopher Nolan - Divulgação
Cillian Murphy vive J. Robert Oppenheimer no filme dirigido por Christopher Nolan Imagem: Divulgação

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

02/08/2023 04h00

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Tem provocado queixas de leitores uma escolha da Intrínseca no processo de edição e publicação de "Oppenheimer - O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano", biografia que deu origem ao filme de Christopher Nolan sobre um dos criadores da bomba atômica. As notas explicativas de cada capítulo, a bibliografia e o índice remissivo ficaram de fora da edição física da obra. Quem comprar o calhamaço e quiser acessar essas informações precisará ir atrás de um arquivo em PDF disponibilizado gratuitamente no site da editora.

Segundo a Intrínseca, a decisão foi tomada em acordo com Kai Bird e Martin J. Sherwin, autores da biografia, e seus representantes. Em nota, a editora explica que a medida possibilitou que o tijolo chegasse às livrarias com 134 páginas a menos, o que tornaria o volume acessível para um grupo maior de leitores. Com tradução de George Schlesinger, a versão impressa da edição brasileira de "Oppenheimer" tem 640 páginas e custa R$99,90. Pelas contas da Intrínseca, o livro poderia ficar entre 30% e 40% mais caro caso fosse impresso com o material deixado de fora.

Publicado originalmente em 2005, o trabalho valeu a Bird e a Sherwin o Prêmio Pulitzer de 2006 na categoria Biografia. O livro é apresentando como o relato mais completo sobre a vida do cientista chamado de pai da bomba atômica. A arma causaria horrores dantescos após os Estados Unidos trucidarem as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, além de meter o mundo num permanente temor de conflitos nucleares.

Mas voltemos às notas. Não é das práticas mais confortáveis ter que ler qualquer livro com um celular ou computador por perto para acessar informações que são partes indissociáveis da obra. Sei que muitos leitores simplesmente ignoram notas de rodapé ou de fim, não dão muita bola para bibliografia e talvez nunca tenham usado um índice remissivo. Ainda assim, ao tomar decisões, me parece que o caminho ideal é pensar no leitor que faz melhor proveito de tudo o que um livro tem a oferecer.

Baratear os livros é uma urgência do mercado, sei disso, mas tirar (ou, vá lá, jogar para o virtual) mais de 100 páginas com informações importantes sobre uma obra de não ficção não me parece ser a melhor alternativa para economizar nas cifras. Não bastasse, prevejo um outro problema.

É difícil acessar conteúdos específicos publicados na internet há 20, 30 anos. Provavelmente não será das tarefas mais simples manter de pé ao longo de décadas, talvez séculos, links gerados hoje. Livros sérios são feitos para transcender o seu tempo. Será que a daqui 30, 50 anos o leitor do futuro conseguirá acessar parte do conteúdo dessa edição da biografia de "Oppenheimer" que encontrou num antiquário ou no armário de um avô? Acho difícil.

Complicam-se os leitores de hoje, perdem os leitores de amanhã.

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