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App? Slides? Livros didáticos deveriam encantar jovens

Imagem conceitual: literatura, livros, leitura - Getty Images/iStockphoto/syntika
Imagem conceitual: literatura, livros, leitura Imagem: Getty Images/iStockphoto/syntika

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

09/08/2023 04h00

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Todo começo de ano a história se repetia. Meus pais bufavam com a lista de materiais escolares, mas nunca deixavam de arrumar os livros solicitados. Às vezes reaproveitávamos algum usado por outro aluno no ano anterior, o que não chegava a ser um problema. Branquinho e borracha deixavam o calhamaço pronto para a segunda vida.

Livros didáticos me despertavam a curiosidade. Gostava de perambular por suas páginas e me deter por algum tempo nas partes que me chamavam atenção. Era uma relação íntima, que se estabelecia independente do que rolava em sala de aula. Admirava de verdade as fórmulas químicas que nunca consegui compreender muito bem.

Gostava principalmente dos livros de português, história e geografia. Pelas páginas dessas matérias que me detinha em informações sobre a natureza dos países, curiosidades a respeito de livros e escritores ou contextualizações que me ajudavam a compreender o mundo em que estava metido.

Não lembro em qual ano passei os semestres ansioso para que, enfim, a professora chegasse no capítulo sobre a história recente do Brasil, que ia mais ou menos até a redemocratização. A menção a uma música que gostava, agora não recordo se da Legião ou do Cazuza, me fazia voltar de tempos em tempos àquela parte do livro. A construção do conhecimento não ocorria apenas na sala de aula.

É preciso ser muito tacanho para achar que um conteúdo digital socado num aplicativo e reduzido a um ícone numa tela substitua a força que o livro impresso pode ter não só no processo de aprendizado, mas na formação de um leitor. Deveríamos estar pensando em como fazer com que os livros didáticos sejam cada vez mais atraentes, a ponto de auxiliar na educação e encantar os alunos para que se tornem novos leitores, despertar o interesse pela busca por conhecimento, mostrar que há vida fora das telas.

O governo de São Paulo, no entanto, pensa diferente. Ou se porta diferente para agradar uma parcela do eleitorado. Enquanto sua polícia promove uma carnificina na Baixada Santista, Tarcísio de Freitas resolve desprezar o Programa Nacional do Livro Didático e dispensar o apoio do governo federal. Usariam apenas material virtual nas escolas estaduais, decisão que depois reviu. Agora pretendem imprimir slides para entregar a alunos.

Deveríamos estar pensando no melhor livro possível para chegar às mãos dos estudantes. Terão, no entanto, slides impressos. Até folhas mimeografadas seriam mais atraentes, pelo menos o processo manual e o aroma ímpar chamariam a atenção da garotada. Há quem aplauda tanto a chacina à beira-mar quanto mais uma demonstração de desprezo aos livros. Matar pessoas e atacar o conhecimento são duas das formas mais usadas pela extrema-direita para fortalecer a própria base.

E os livros usados em sala de aula? Que virem um amontoado de telas para PowerPoint impressas em folhas de sulfite ou um mero botãozinho para disputar a atenção junto com o atalho para o TikTok ou o ícone do Free Fire.

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