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Uma escritora entre Indiana Jones que saqueou o Peru e o poliamor do pai

"Estou tentando construir algo com fragmentos roubados de uma história incompleta."

"Exploração", livro de Gabriela Wiener que acaba de ser publicado pela Todavia (tradução de Sérgio Molina), se ergue com a autora buscando montar histórias com base em informações escassas e nem sempre confiáveis.

São duas as principais investigações da jornalista peruana, nome festejado da atual literatura latino-americana: a vida amorosa paralela ao casamento que seu pai levava e os vestígios deixados por um suposto antepassado.

Gabriela seria a tataraneta de Charles Wiener, professor de alemão meio austríaco, meio francês que em algum momento da vida virou uma espécie de Indiana Jones. Perambulando pelo Peru entre a segunda metade do século 19 e o começo do 20, deixou filhos enquanto levou para a Europa mais de quatro mil peças pilhadas de sítios arqueológicos.

O saqueador de relíquias andinas soube construir uma imagem de si que, parece, extrapola os seus méritos de desbravador. Isso abre um flanco para pensarmos em paralelos sobre a construção de figuras públicas ocas e as suas gargantadas para chamar a atenção do público afeito a lorotas.

Esse está longe de ser o foco da obra de Gabriela, no entanto. A história começa com a discussão sobre a legitimidade de coleções de museus da Europa levantadas por meio da mão grande que marcou séculos de colonização mais ávida.

Era uma época, recorda a autora, em que a pilhagem não se limitava a objetos. Estendia-se a corpos mumificados e à apropriação de crianças bem vivas, talvez compradas em troca de alguma dose de álcool. Ao mesmo tempo em que desejavam "civilizar" tudo, europeus exibiam em suas grandes cidades pessoas de diferentes partes do mundo confinada em zoológicos de seres humanos.

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Imagem: Reprodução

Enquanto investiga e questiona a sua alardeada linhagem, Gabriela mostra como as tensões entre velho e novo mundo permanecem. "Marrom, chola e sudaca", a autora passa pelo racismo no Peru e, por meio de experiências vividas na Espanha, onde reside há anos, explicita os contornos que as discriminações, as explorações e o olhar colonialista ganharam no século 21. Doses de horror e toques bizarros estão presentes pelas páginas da obra.

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No outro flanco de "Exploração", como antecipei, temos a autora futricando a vida íntima do pai, um importante jornalista e figura respeitada pelas esquerdas peruanas. Após a morte do homem que a filha tenta compreender, numa espécie de arqueologia familiar, como ele passou anos tendo um relacionamento paralelo, amando duas mulheres diferentes.

O amor sem exclusividade ecoa a personalidade da própria autora. Repórter que se dedica a compreender questões amorosas e sexuais de nossos dias, Gabriela divide a vida com um companheiro e uma companheira. É um trisal que se ama e reparte os cuidados da filha. Em "Sexografias", publicado aqui no Brasil pela Foz em 2016 (tradução de Raquel Romero Faz), conhecemos um pouco da produção da peruana nesse campo.

Temos o poliamor. E também temos reflexões sobre o processo de luto em "Exploração". "Nada prepara a gente para o luto, nem todos aqueles livros tristes que eu vinha lendo feito louca havia uma década", escreve Gabriela em meio a cenas em que sexo e desejo se misturam à dor pela perda do pai.

Como o leitor já deve ter percebido, "Exploração" é um livro de múltiplos assuntos. Está arquitetado com capítulos breves em que as narrativas se cruzam, resultando num conjunto que não prima pela coesão. Aqui e ali a autora força a mão na hora de fazer certas associações, outro ponto a se ponderar. Não é nada que diminua o valor da escrita de Gabriela.

Também é difícil colocar "Exploração" numa caixinha rígida demais. Seja pela forma, seja pela natureza pouco confiável das informações com as quais Gabriela trabalha, é daquelas prosas que, como as de Annie Ernaux, ficam numa área nebulosa entre a ficção e a não ficção. Um problema? Talvez se encarássemos o trabalho pelo prisma do jornalismo, não da literatura, o que seria um erro do leitor.

"Por acaso não é isso o que todos os escritores fazem, saquear a história verdadeira e vandalizá-la até obter um brilho diferente no mundo?", lemos em certo momento. Gabriela sabe que há uma distância enorme entre como as coisas de fato são, como podemos compreendê-las e de que forma escolhemos contá-las.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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