Biografia apresenta para jovens a espinhosa trajetória de Lima Barreto
Garoto negro que nasceu no Rio de Janeiro de 1881, na época em que o Brasil passava do Império para a República e abolia formalmente a escravidão. Neto de escravizados que cresceu numa família modesta e logo cedo, aos seis anos, perdeu a mãe.
Mais tarde, um escritor talentoso que não foi reconhecido pelos pares de sua época. Também um homem com sérios problemas com o alcoolismo e, na reta final da vida, diversas vezes internado em manicômios. Morreu cedo, em 1922, aos 41 anos.
A biografia de Lima Barreto não é das mais palatáveis para ser contada num livro juvenil. André Augustus Diasz, apesar disso, se sai bem ao levar para a literatura pensada para a garotada pinceladas importantes da vida do autor agora clássico sem desprezar momentos dos mais dramáticos.
"Barreto: Lima Barreto" acaba de ser publicado pela Mostarda e vem na esteira do centenário de morte do escritor carioca, completado no dia 1º de novembro de 2022. Além do texto de André, um dos trunfos da edição é a arte de Jefferson Costa. É o mesmo ilustrador que assina os traços de "Jeremias - Pele" e "Jeremias - Alma" (Panini/ Graphic MSP), feitos em parceria com Rafael Calça, dois dos quadrinhos mais tocantes dos últimos tempos. A série ganhará um terceiro volume: "Jeremias - Estrela".
Uma das passagens mais marcantes do encontro entre os desenhos de Costa e a escrita de Diasz são as páginas de "Barreto: Lima Barreto" sobre o racismo escancarado no país e a condição de boa parte da população após a Lei Áurea.
Ali estão os negros sem conseguir "trabalho, casa, dinheiro, o que comer ou vestir, direitos, estudo...", mostrando o que está na base de diversos problemas sociais que, mais de cem anos depois, seguem sem solução. É uma oportunidade para que a criança de hoje comece a compreender como vive num Brasil profundamente marcado por decisões e inações tomadas ou não em décadas, séculos atrás.
E há o Lima escritor, claro. O garoto que teve os estudos bancados pelo padrinho endinheirado e o jovem que pererecou na faculdade de engenharia. Foi encontrar uma direção para a vida mergulhando nos livros da Biblioteca Nacional. Como jornalista e romancista que "denunciava os privilégios de alguns e a exploração da maioria do povo".
A obra de Lima Barreto vive um bom momento. Há alguns anos que o nome do autor está em evidência em nossa literatura. Livros como "Clara dos Anjos", "Recordações do Escrivão Isaías Caminha" e "O Triste Fim de Policarpo Quaresma" são lidos e perambulam pelo imaginário de leitores do presente.
Nem sempre foi assim. Certo menosprezo de intelectuais contemporâneos a Lima fez com que os escritos do autor demorassem a ter a devida atenção. Mas com o olhar de bons leitores o reconhecimento veio, o que também está registrado no livro de Diasz. Está aí uma outra brecha: mostrar à garotada que a trajetória de um artista pode ser movimentada mesmo após a sua morte, isso graças à arte.
Assine a newsletter da Página Cinco no Substack.
Você pode me acompanhar também pelas redes sociais: Twitter, Instagram, YouTube e Spotify.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.