A literatura viva, os números e o tal bookstan: notas sobre a Bienal
- Carla Madeira, Kiusam de Oliveira, Itamar Vieira Junior (com o seu "Salvar o Fogo", aqui resenhado), Pedro Rhuas, Conceição Evaristo (tem papo com ela no podcast)... São nomes que lideraram as vendas de autores nacionais em alguns estandes da última edição da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, que terminou no final de semana.
Quando pegamos os escritores internacionais que mais venderam - gente como Stephanie Garber, Colleen Hoover (aqui a resenha de "É Assim que Acaba") e Won-pyung Sohn (eis a resenha de "Amêndoas") -, a tendência se repete: os visitantes procuraram principalmente por livros de autores vivos, em diálogo aberto com o nosso tempo.
Bom notar esse olhar para a literatura que, com virtudes e problemas, está sendo construída por escritores e leitores contemporâneos. É um movimento fundamental para a vitalidade da literatura (como escrevi na newsletter).
- Falei de problemas e virtudes. A própria Bienal comemorou a força dos "bookstans" pelos seus corredores. Definem como pessoas que, mais do que leitores, são fãs fervorosos de determinadas obras e artistas. Olho com reticências para o fenômeno. Fã bitolado não costuma ser um tipo muito afeito ao pensamento crítico, principalmente quando são seus cristaizinhos os criticados.
Pensando na literatura, é melhor focar no fomento de leitores abertos ao diálogo e aos muitos caminhos da arte. Para o mercado, no entanto, rendem boas cifras as grandes comunidades de fãs que consomem o que aparece pela frente vindo de seus ídolos, estão sempre prontos para defendê-los e exaltá-los nas redes sociais e, engajados, batem palma ou soltam likes para qualquer bobagem.
- Comemoro a leitura de contemporâneos, porém é bom ver que clássicos e nomes consagrados também tiveram o seu público na Bienal. Muita gente parou para trocar uma ideia com um Machado de Assis virtual no estande da Academia Brasileira de Letras. Já Clarice Lispector foi a segunda autora mais vendida da Rocco, desbancada apenas por J. K. Rowling e seu Harry Potter.
"A Hora da Estrela", de Clarice, ainda ficou entre os cinco livros mais comercializados da editora carioca. Ziraldo apareceu entre os livros mais procurados tanto da Melhoramentos, com "O Menino Maluquinho", quanto do Grupo Autêntica, com "Chapeuzinho Amarelo", feito em coautoria com Chico Buarque. É importante olhar para o hoje sem esquecer o ontem.
- Sim, os números da Bienal chamam muita atenção. Foram 5,5 milhões de livros vendidos, 1,5 milhão a mais do que na edição de 2021. Muitas editoras comemoraram faturamentos recordes e retorno do dinheiro investido - por mais que se venda muito, gasta-se muito para estar num lugar desses.
Só que os grandes números do Riocentro muitas vezes significam cifras minguando em outros cantos. Quem deixou uma boa grana por lá, nos próximos meses fatalmente gastará menos em livrarias e dará menos atenção a livros de editoras que não estiveram na Bienal. Os dados animadores do evento contrastam com outros preocupantes que sempre pipocam em pesquisas do setor. Não nos enganemos com a festa: o Brasil precisa de mais leitores.
- Parte dos bons números da Bienal se deve a incentivos que governos de diferentes esferas deram a alunos de escolas públicas. Cerca de R$13,5 milhões em vouchers foram disponibilizados para a garotada gastar em livros durante as visitas escolares ao Riocentro. Diversos educadores também receberam esse apoio, decisivo para que o evento fechasse com uma média de 9 livros comprados e R$200 gastos por visitante.
É uma grana bem-vinda, que faz boa diferença no faturamento dos expositores e cria a possibilidade de muitos jovens estreitaram a relação com os livros. Contudo, não basta. E os leitores e editores que não têm grana para estar numa Bienal? Cabe ao poder público desenvolver caminhos para que incentivos também ajudem os negócios e fomentem a leitura indo muito além desses dias e desse espaço.
Ações continuadas, de longo prazo, que garantem a formação de leitores e contribuem para fomentar o mercado. Vouchers do tipo são bem-vindos, mas é preciso muito mais.
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