Quando o Brasil vencerá o Nobel de Literatura?
Quem olha para a relação dos últimos vencedores do Prêmio Nobel de Literatura e encontra nomes como o do japonês Kazuo Ishiguro (que levou em 2017) e do tanzaniano Abdulrazak Gurnah (2021) pode até ter a sensação de que a Academia Sueca anda prestando mais atenção no que se passa para além da Europa e dos Estados Unidos. Seria uma impressão equivocada, no entanto.
Ambos vivem há décadas na Inglaterra, escrevem em inglês e construíram suas carreiras artísticas dentro da cena literária europeia. Os jurados, aposto, enxergam tanto o japonês quanto o tanzaniano essencialmente como autores britânicos. Para o Japão até poderia ser, já rolou em outras oportunidades, mas seria muito improvável que os acadêmicos suecos fossem se dedicar a investigar, compreender e reconhecer o que se passa na literatura da Tanzânia.
Sacar o óbvio, que estamos diante de um prêmio pensado por europeus e centrado numa visão bastante limitada de mundo, é essencial para entendermos por que a literatura brasileira não parece estar perto de ser reconhecida pelo Nobel. Escritores de qualidade nós temos e já tivemos aos montes. O galardão ficaria muito bem em mãos como as de Clarice Lispector, Graciliano Ramos e Jorge Amado, para ficar em três exemplos históricos. A questão é mais profunda.
Começa pelo idioma. Apenas um Nobel ter ido para algum escritor que escreveu sua obra em português, José Saramago, indica o quanto a língua não está no centro das atenções dos acadêmicos suecos. Inglês e o francês são os idiomas preferidos dos caras, mas diversos outros estão à frente do nosso: o alemão, o italiano, o espanhol...
Depois vem a insularidade da nossa literatura. Matérias que pipocam de tempos em tempos comemorando que determinados países enfim descobriram ou redescobriram nomes como Machado de Assis indicam o quanto a produção nacional está longe de se enraizar em outras culturas, em fincar seu espaço no panorama de uma tradição ocidental, pelo menos.
Sem um plano perene para a internacionalização de nossa literatura que sobreviva a crises financeiras e a troca de governos (inclusive quando trogloditas assumem a nação) será improvável chamarmos atenção para nossos escritores e mantê-los em evidência. Esse movimento é importante para que em algum momento, depois de décadas de trabalho bem-feito e, insisto, contínuo, soe natural olharem para o Brasil como uma terra de grande literatura, lugar de nomes que mereceriam o Nobel.
Não que o prêmio seja impossível. Há lampejos de literatura brasileira sendo trabalhada em certas instituições no exterior e escritores bem recebidos em países capazes de exercer grande influência na escolha dos premiados. Penso em como Milton Hatoum é aceito na França, por exemplo. Mas daí é torcer para uma feliz exceção, não enxergar o prêmio como consequência de um trabalho de internacionalização cultural, a medalha como parte de um projeto muito mais amplo.
O ponto principal é: será difícil ver um escritor brasileiro agraciado pela Academia Sueca antes que o próprio Brasil se preocupe em mostrar para o mundo o quanto a sua literatura merece ser lida, discutida e reconhecida. Por outro lado, já passou da hora de fomentarmos e valorizarmos prêmios internacionais menos centrados na visão de mundo da Europa e dos Estados Unidos.
Aguardemos para ver o que nos aguarda no anúncio desta quinta, dia 5.
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