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Opinião

A cultura e o caminho para que estejamos de verdade no mundo

"Acredito firmemente que não deveria haver nenhuma discussão séria a respeito de planos profundos de governo sem a presença da cultura, para valer. A cultura é o conjunto de ações artísticas realizadas no país, que envolve muita gente, mas não só... O fomento é importante, mas a cultura vai além do mundo das artes: ela cuida da inserção do ser humano no mundo."

São palavras de Danilo Miranda, sociólogo e filósofo que morreu no último domingo, aos 80 anos. Ele falou sobre a sua visão da cultura numa entrevista que concedeu em abril para a Revista E, publicação ligada ao Sesc. Danilo foi a principal cabeça à frente do Sesc São Paulo durante quatro décadas. Sob sua direção, o serviço se consolidou como uma referência no país, com dezenas de unidades espalhadas pelo Estado preparadas para tratar bem os mais diversos públicos.

Como a Folha de S.Paulo registrou no longo obituário publicado, Danilo acreditava que a cultura era uma ação continuada, uma condição da cidadania, e por isso não deveria viver garroteada pela lógica do mercado, pressões políticas ou outros interesses obscuros. Desde que recebi a notícia de sua morte que tenho pensado em como essa perspectiva impactou e ainda impacta minha própria caminhada.

Ao longo do ano, passo por unidades do Sesc em São Paulo e do restante do país para participar de eventos literários e ministrar oficinas — a última, sobre biografias, rolou na unidade de Santana, perto de casa, e terminou na quarta passada. Bem antes das atividades profissionais, no entanto, encontrava no Sesc um lugar seguro para ter alguns bons momentos. Enquanto trabalhava na Pompeia, naqueles galpões industriais que às vezes me refugiava para ler na hora do almoço.

Moleque, no Sesc que passava os dias jogando vôlei e nadando incontáveis piscinas semiolímpicas. Entre exposições, peças de teatro e shows, alguns me marcaram para sempre. Uma adaptação de "O Processo", de Franz Kafka, segue viva na memória. As duas apresentações que vi dos argentinos do Attaque 77, uma das bandas da minha vida, são inesquecíveis.

Sei que muitos leitores, cada um com seus artistas favoritos, têm histórias semelhantes. Mas não é só isso. Propiciar esses encontros memoráveis coroa um trabalho em que a dignidade e o respeito ao usuário transparecem como pilares do que é oferecido.

Danilo sabia que espaços culturais precisam ser confortáveis, limpos, seguros e livres, pensados para que as pessoas se sintam bem enquanto veem um quadro, leem um livro, ouvem música, papeiam com um amigo, tomam um café, pensam na vida.

Boas livrarias e bons museus também são assim. Recebem bem e nos colocam em contato com aquilo de que gostamos, mas também com o que vale a pena descobrirmos, com o que nem sequer imaginávamos existir. Abrem nossas cabeças, ampliam horizontes, oferecem novas perspectivas de mundo. Propõem caminhos para tentarmos tocar a vida de forma mais complexa, valorizando nuances, superando certa banalidade. É ir além de simplesmente existir.

"Temos, na vida, um tempo da educação formal, organizada por intermédio da escola, mas, depois dela, permanece — ou deveria permanecer — a perspectiva da informação e do conhecimento. Sabemos haver médicos que, depois de formados, nunca mais abrem um livro na vida, não veem um espetáculo. A vida se torna, assim, unidirecional. São, às vezes, pessoas brilhantes, mas a quem falta a inserção no mundo da educação não formal, da cultura propriamente dita", disse Danilo na mesma entrevista à Revista E.

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Era alguém que sabia: muitos brasileiros se afastam da literatura, do teatro, das artes plásticas conforme se embrenham nas planilhas e boletos. Não é toda hora que brota um Danilo por aí, sei disso. Mas que tenhamos outras pessoas em cargos de poder capazes de comprar brigas e conciliar interesses a fim de criar condições para que mais gente encontre bons caminhos nesse amplo diálogo com o mundo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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