Festa do Livro da USP: ponto alto do ano para um leitor de bolso vazio
No lançamento em Porto Alegre de "A Biblioteca no Fim do Túnel: Um Leitor em Seu Tempo", livro que acabo de publicar pela Arquipélago, uma pergunta me levou para um momento bem marcante da vida. Fred Linardi, jornalista, escritor e camarada de longa data, quis saber se a Festa do Livro da USP seguia como um dos pontos altos do meu ano.
A pergunta revirou minha memória. E com o início da edição deste ano, que começa hoje e vai até domingo (12), diversas lembranças reavivaram. Para quem não sabe, a Festa do Livro da USP reúne centenas de editoras que oferecem boa parte dos livros de seus catálogos com pelo menos 50% de desconto sobre o preço de capa — aqui mais informações sobre o encontro da vez. É uma oportunidade preciosa para leitores que, como eu, vivem com o bolso vazio.
Numa época de pindaíba severa, passava o ano juntando alguma grana para torrar tudo de uma vez entre os estandes da feira. Qualquer troco que voltava de um pernil na porta do estádio ou de uma cerveja sem graça num boteco ordinário parava no cofrinho dedicado aos livros. Quando chegava novembro, dava uma boa olhada na lista das editoras para já ter em mente o que buscaria em cada uma delas.
Convencer o pai a emprestar o carro num dia de semana era fundamental para o sucesso da empreitada. Eram muitas as viagens entre as mesas de exposição e o estacionamento da USP. Desovava parte das compras e voltava para seguir garimpando os livros. Havia, não nego, um regozijo consumista nisso. Como dizia Jô Soares, há o prazer da leitura, mas há também o prazer de se adquirir certos calhamaços.
Por lá que arrumei "Breves Entrevistas com Homens Hediondos" (Companhia das Letras), por exemplo, o meu primeiro David Foster Wallace — e que até outro dia custava um rim nos sebos. Como custam órgãos ainda mais valiosos os caprichos da Cosac Naify que só pude comprar graças aos descontos uspianos. Falo dos imponentes "Guerra e Paz" e "Anna Kariênina", ambos do Tolstói.
Para ficar nos russos, muito do que tenho de Dostoiévski também veio de edições da Festa. Lembro um ano em que passei pela 34 para disputar três dos elefantes do barbudo: "Os Demônios", "O Idiota" e "Os Irmãos Karamázov". Já tinha comigo uma edição de "Crime e Castigo" publicada, creio, numa coleção da Folha.
Sublinho a palavra "disputar". Entre empurrões, cotoveladas e um calor tremendo, sempre foi uma batalha conseguir primeiro espaço e, depois, algum atendimento nos estandes mais concorridos. Em alguns casos, sequer descobria quem era o expositor, tamanha a quantidade de gente avançando sobre o que estava à venda. Nem tudo são maravilhas. Não era raro me decepcionar ao descobrir que algum livro desejado não tinha sido levado para a Festa ou já esgotara.
Poréns que fazem parte de um momento muito aguardado por milhares leitores. Voltava para casa feito uma criança que, numa só manhã, conseguia algumas dezenas de brinquedos desejados durante muito tempo. Alguns desses brinquedos, como "O Livro das Mil e Uma Noites" (Biblioteca Azul), permanecem por perto e aguardam pelo momento de uma leitura mais atenta.
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