Página Cinco

Página Cinco

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Livros proibidos em Santa Catarina: Brasil normalizou censura?

Nos últimos anos, desde pelo menos 2017, são tantos os casos de censura pelo país que fica difícil acompanhar e lembrar tudo o que rola. É relevante o volume de pessoas, grupos, organizações e braços governamentais querendo dizer o que podemos ou não assistir, ler, ver ou de que forma precisamos pensar. O modo como as notícias pipocam e logo somem, sem provocar grande impacto nem causar a indignação de tempos atrás, talvez seja indicativo de que censores já não espantam.

Semana passada rolou em Santa Catarina. O governo estadual emitiu um comunicado mandando retirar de bibliotecas públicas exemplares de nove livros. A lista é feita de obras de terror, algumas com referências explícitas ao tinhoso ou a exorcismos em seus títulos.

Também estão na relação títulos bem famosos. "Os 13 Porquês", de Jay Ascher, recentemente inspirou uma série de sucesso. "It: A Coisa" é um dos trabalhos mais lembrados de Stephen King. "Laranja Mecânica", de Anthony Burgess, virou um clássico da literatura distópica.

O jeito burocrático como a ordem para a retirada dos livros de circulação ocorreu me parece um detalhe importante. Até outro dia os gestos de censura eram feitos com contornos espalhafatosos por políticos que ascenderam com o obscurantismo. Procuravam um alvo. Vomitavam bobagens e demagogias. Com a projeção, fortaleciam a base e arrumavam mais alguns apoiadores. Agora, não. A coisa se deu numa canetada, como se fizesse mesmo parte das atividades do Estado estipular o que pode ou não ser lido.

Pior: me parece que a sociedade naturaliza certa ideia de que é legítimo estipularmos o que os demais podem acessar e como devem fazê-lo. É uma gesto sempre escorado na melhor das intenções, na desculpa de preservar o próximo, de evitar com que o outro se depare com algo que pode lhe ser ofensivo ou desagradável, moralmente torpe.

Outro dia escrevi sobre como notava certa falta de confiança dos escritores nos leitores. Indo além, talvez haja mesmo é uma falta de confiança de que as pessoas sejam capazes de ter contato com uma obra artística com olhar crítico e, em certos casos (como nas escolas), acompanhadas de uma mediação qualificada.

"Laranja Mecânica", com sua linguagem inventiva e extrema violência, é um livro tranquilo de se ler? Claro que não. Incomoda? Certamente. E daí? É justamente por isso que o trabalho de Burgess permanece como um romance que merece ser lido, capaz de fazer com que o leitor tenha que se entender com certas questões, digerir algumas passagens chocantes, outras bem desagradáveis.

A preocupação maior de qualquer governo deveria ser garantir a formação de pessoas capazes de saber mais ou menos o que fazer diante de uma criação artística, de digerir e elaborar por conta própria aquilo que lê (ou ouve, assiste...). Mas me parece ser uma ideia fora de moda. Pelo andar da carroça, teremos mesmo é uma normalização cada vez maior de diversas formas de censura.

Assine a Newsletter da Página Cinco no Substack.

Continua após a publicidade

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes