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Opinião

Notas para a definição de um bom leitor

O bom leitor sabe que é saudável colocar as próprias certezas na berlinda, seja para revisá-las, seja para fortalecê-las.

Da mesma forma, o bom leitor questiona e reflete a respeito do que lê.

Não só isso. O bom leitor reflete sobre si enquanto leitor.

O bom leitor sabe que a leitura literária é diametralmente oposta à leitura dogmática, fundamentalista.

O bom leitor sempre desconfia de verdades absolutas, que soam talhadas em pedra.

O bom leitor se empolga ao encontrar um grande livro. Indica a obra para todo mundo, às vezes marca na pele um trecho do texto. Mas, ao reler, se for o caso, muda de ideia e reconhece que aquela maravilha não era tão maravilhosa assim.

Saber que leituras não se repetem e que um livro pode soar fantástico aos 17 anos, interessante aos 25 e modorrento aos 30 e tantos é uma virtude do bom leitor.

O bom leitor é consciente da própria ignorância. Tem noção de que construir intimidade com certa literatura implicará deixar de lado tantos outros caminhos possíveis.

Essa ignorância não intimida e muito menos serve de desculpa para deixar o bom leitor acomodado. A ideia é ser um pouco menos ignorante a cada dia. Ou um pouco mais consciente do quanto ainda há para se conhecer.

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O bom leitor ouve e pondera a opinião de outros leitores — e sabe pegar para si o que faz sentido ou não na argumentação.

Cruzar essas opiniões com as próprias leituras é uma forma do bom leitor ampliar a maneira como compreende e dialoga com o mundo.

O bom leitor tem consciência de que o enredo é apenas um dos elementos de uma obra de arte, por isso não melindra com spoiler.

O bom leitor sabe que a leitura vai além de juntar palavras e formar frases.

E também compreende que a literatura é um jogo aberto.

O bom leitor sabe valorizar as tensões que existem na recepção da arte. E aproveita essas tensões para formar a sua visão sobre determinados livros ou assuntos.

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O bom leitor conhece o próprio gosto ao mesmo tempo em que desconfia desse gosto. Esse leitor questiona por que gosta de determinadas literaturas, mas não de outras.

Focar nos interesses mais latentes ao mesmo tempo em que busca desbravar novas literaturas é um malabarismo que bons leitores costumam fazer.

O bom leitor sabe: humor e ironia são recursos preciosos, por isso os valoriza.

Um bom leitor está sempre em dívida com os clássicos, que parecem nunca se esgotar.

A literatura contemporânea costuma estar no radar dos bons leitores. Esses leitores irão pavimentar o caminho para que alguns livros de hoje se tornem clássicos amanhã.

Saber que nem 120 anos de vida serão suficientes para conseguir ler todos os livros que deseja é uma aflição com a qual bons leitores precisam lidar.

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O bom leitor confia que a literatura estará viva enquanto tivermos leitores suficientemente bons.

Este texto foi publicado primeiro na Newsletter da Página Cinco no Substack.

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Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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