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Ver BBB como salvação para os livros não passa de sebastianismo

Livros X BBB. Todo ano a discussão regressa, às vezes com alguma nuance. Houve um tempo em que contrapunham um ao outro: por que não deixar o programa pra lá e ler um livro? Essa abordagem saiu de moda. Há alguns anos a pergunta feita é outra: por que os participantes da casa nunca leem nada? Porque a Globo não permite, ao que parece.

O Uol tratou disso numa matéria na última segunda-feira e olhou de forma otimista para o impacto que a presença de livros no reality show poderia ter. Lembrou obras que estiveram na mão de participantes em edições passadas: "A Arte da Guerra", "Querido John", "Morte Súbita", "Sonata em Auschwitz", "Vale Tudo: O Som e a Fúria de Tim Maia".

Na edição deste ano, uma menção a "A Sociedade do Espetáculo", de Guy Debord, fez com que as buscas pelo título disparassem no Google. Já uma bobagem de alguma participante sobre "1984" foi a deixa para pipocarem matérias sobre a relação entre o programa e o clássico de Orwell. É uma pauta que, no Brasil, se repete há 24 anos entre janeiro e fevereiro.

Leitores gostam de ver gente lendo e conversando sobre livros. Era bom acompanhar o ex-jogador Tufão descobrindo maravilhas como "O Idiota", de Dostoiévski, "Dom Quixote", de Cervantes, ou "A Metamorfose", de Kafka. Vez ou outra, em conversas com minha esposa, ainda chamo Freud de Fred só para lembrar uma cena de "Avenida Brasil" que ficou em nossa memória.

Não nego os efeitos positivos dessas, digamos, intervenções literárias em programas de audiências altíssimas. Contribui para mostrar que ler é uma forma tão válida de curtir um bom momento, ter prazer, quanto assistir a um filme ou se embebedar numa festa. Escrevi em outra coluna: ler é legal, precisamos propagandear isso.

Essas aparições também são capazes de catapultar vendas. Um título qualquer pintar na mão de um personagem querido, seja ele ficcional ou não, num programa visto por milhões de brasileiros pode significar um aumento repentino e vertiginoso nas cifras. Bom principalmente para editoras e autores agraciados.

Enquanto escrevo duas perguntas surgem: a potência comercial do programa não poderia ter a ver com a proibição de livros no BBB? Não seria uma forma de evitar fazer propaganda gratuita para esses produtos ou até se prevenir de ações de marketing disfarçadas de leitura espontânea? São questões que não estão no foco do texto. Deixo por aqui para quem quiser se aprofundar.

O cerne é outro: o papel que um programa desses pode ter para fazer com que tenhamos mais leitores no país. Sim, pode ajudar a impulsionar a venda de determinados títulos e a contribuir para a difusão de um olhar mais leve para a leitura. Válido, mas não vai muito além disso.

Não sejamos deslumbrados: o poder do BBB também é limitado, vide o que ficou (ou não) dos tempos em que os livros eram permitidos na casa. Super-herói que resolve tudo sozinho é coisa de filme tosco.

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Será difícil termos mais leitores sem, primeiro, resolvermos o sério problema que temos na educação. Curtir um livro passa por ter as ferramentas necessárias para compreendê-lo, algo nem tão comum assim num país com altas taxas de analfabetismo funcional.

Também precisamos de políticas sérias e duradouras, que sobrevivam a mudanças de governos, voltadas para a difusão e a mediação da leitura, além de facilitar o acesso ao livro. Isso para começar.

Em 1578, D. Sebastião caiu numa das batalhas entre mouros e portugueses no Marrocos. Logo um mito foi criado pelos descrentes da morte do rei. O cara em algum momento regressaria para devolver a Portugal os seus dias de glória, como se uma única pessoa tivesse a capacidade de realizar algo dessa dimensão.

Acreditar que apenas um gesto, uma ação, uma iniciativa será suficiente para mudar a realidade do livro e da leitura no país não passa de uma outra forma de sebastianismo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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