Revelador e devastador: mais uma chance para ler Holocausto Brasileiro
Lembro que Daniela Arbex ficou um pouco surpresa quando, ao final de uma conversa, com honestidade falei que não assistira à série sobre o incêndio da boate Kiss. Tampouco pretendia ver o que já tinham preparado a respeito dos crimes cometidos no hospital psiquiátrico de Barbacena.
Admiro a colega jornalista pelo estômago que tem para transformar episódios dantescos de nossa história em reportagens onde vida, horror e morte andam juntos. Gravávamos uma conversa para o podcast da Página Cinco por conta de "Arrastados", publicado no ano retrasado pela Intrínseca, atual casa da autora. É uma obra sobre os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho, tragédia que aconteceu no começo de 2019.
Também são de Daniela títulos como "Todo Dia a Mesma Noite", que deu origem à série a respeito da boate Kiss, o recém-lançado "Longe do Ninho", que está aqui na pilha de leituras futuras, no qual se aprofunda no incêndio que matou dez jogadores da base do Flamengo, e, claro, "Holocausto Brasileiro". Este rendeu o documentário lançado em 2016 e que agora chega à Netflix.
Não comento o filme, mas não costumo deixar passar oportunidades para reforçar minha recomendação para que todos leiam o trabalho lançado em 2013. É um livro duro, que causa revolta, indignação e, em muitos momentos, chega a embrulhar até estômagos mais brutos.
Sinto certo aperto no peito e um leve arrepio ao me lembrar de determinadas passagens enquanto escrevo esta coluna. Também é desolador reparar em como encontramos em diversas esquinas do país barbaridades que se aproximam ou dialogam com o que acontecia na Serra da Mantiqueira.
Fundado em 1903, o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena foi o último endereço de ao menos 60 mil brasileiros. Com o passar das décadas o lugar se transformou num depósito de pessoas indesejadas. Ter algum diagnóstico de problema mental era, em muitos casos, detalhe contornável para que garotas grávidas, homossexuais, prostitutas, amantes, alcoólatras ou qualquer tipo de gente que significasse dor de cabeça para alguém com algum poder fossem ali trancafiadas.
Daniela narra a penúria vivida pelas pessoas no Hospital Colônia, como era chamado. Presos, pacientes viviam nus ou cobertos por farrapos. Às vezes precisavam caçar ratos ou pombos para que tivessem o que comer. Bebiam água do esgoto ou a própria urina. Havia quem, grávida, besuntasse a barriga de fezes para proteger o feto em gestação. Mais frágeis chegaram a ser induzidos à morte para que depois seus corpos fossem comercializados.
É esse o nível da carnificina apurada e narrada pela jornalista em "Holocausto Brasileiro". Aterrador, útil para revelar o horror que se esconde por trás de algumas paredes. E escancarar como gente com boa fama, discurso moralista e pose de cidadão honrado muitas vezes incentiva e se beneficia de tais crimes.
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