'Em Agosto nos Vemos': é fraco o novo livro de Gabriel García Márquez
O tanto que a edição de "Em Agosto nos Vemos", inédito de Gabriel García Márquez que acaba de chegar às livrarias, busca justificar a existência comercial da obra e parece um pedido para que o leitor seja complacente.
O prefácio assinado por Rodrigo e Gonzalo, filhos do escritor, explicita os incômodos, incertezas e desgostos de Gabo com o trabalho lançado em todo o mundo hoje. No Brasil ele sai pela Record, com tradução de Eric Nepomuceno.
Casada com um músico, o primeiro homem de sua vida, e mãe de dois jovens, Ana Magdalena Bach protagoniza a história. Ex-estudante de artes e letras, ela se dedica à leitura de nomes como Bram Stoker, Hemingway, Camus, Borges, Bioy Casares e Silvina Ocampo.
A cada ano, em agosto, ruma para a ilha onde sua mãe está enterrada, um lugar que aos poucos é tomado pelo turismo e onde explosões de dinamite mutilam braços de pescadores, traços das preocupações sociais de Gabo.
Ana se envolve com um amante numa dessas viagens. O destino para viver o luto passa a ser também um lugar para nutrir e satisfazer desejos.
A mulher começa a usar esse momento do ano destinado a homenagear a mãe para buscar por aventuras fora de seu casamento. Enquanto alimenta fantasias, vive dilemas e explora sua sexualidade, acaba por descobrir espelhamentos na história e conexões mais profundas da finada mãe com aquele lugar.
Ana está prestes a completar 50 anos. É uma mulher de "seios redondos e altivos apesar dos dois partos" e "cabelos índios, compridos até os ombros". Seus "olhos de topázio eram formosos com suas escuras pálpebras portuguesas".
Passando por lugares onde garças "planavam imóveis no torpor ardente da lagoa", a moça se relaciona com um homem "coberto por uma penugem espessa e suave feito musgo em abril". Em certo, momento na cama, sente que "ia morrer de dor, com uma comoção atroz de bezerra esquartejada".
Imagens de gosto questionável e descrições piegas chamam a atenção no livro. Se no prefácio o leitor é avisado dos tropeços e contradições da obra, ao lê-la fica claro estarmos diante de um texto que careceria de bastante lapidação.
"Em Agosto nos Vemos" é um esboço, um original a ser reescrito, editado, discutido, revisto, trabalhado e retrabalhado. Não é porque uma história saiu da caneta de um vencedor do Nobel, do colombiano que nos deu "Cem Anos de Solidão", que automaticamente ela é boa e, mais importante, está bem contada.
Em 1999 que Gabo começou a falar sobre este livro lançado agora, quase dez anos após sua morte. Nos seus planos, a obra seria composta por cinco contos protagonizados por Ana Magdalena, a sua personagem.
Só que problemas caros ao envelhecimento, a perda de memória, o definhar da cabeça, afrouxaram o rigor e não lhe permitiram usar toda a sua capacidade para a criação dessas histórias que, tronchas, nos chegam mal amarradas como um frágil romance.
"Este livro não presta. Tem que ser destruído", decretou Gabo. Foi ignorado pela sua família.
"Num ato de traição, decidimos colocar o prazer de seus leitores acima de todas as outras considerações. Se os leitores celebrarem o livro, é possível que Gabo nos perdoe. É nisso que confiamos", escrevem Rodrigo e Gonzalo, como se os leitores não pudessem se dar por satisfeitos com o que já tinham da grande obra do autor, um dos principais nomes da literatura nos últimos séculos.
É triste ter que vir aqui espinafrar um livro — incompleto, publicado contra a sua vontade, reforço — de um autor que admiro tanto. Pelo menos pela visão deste leitor, os filhos ficarão sem o perdão de Gabo.
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