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Opinião

Por que ainda acreditar nos livros?

Das muitas efemérides relacionadas ao tema, o Dia Mundial do Livro mexe comigo. A explicação é simples: Miguel de Cervantes, central na minha história, é um dos responsáveis pela data escolhida para a celebração. Tanto a morte do autor de "Dom Quixote" quanto a de Shakespeare rondam o dia 23 de abril.

Minha citação favorita de Clarice Lispector vem de "A Paixão Segundo G. H." e vai na contramão do uso cafona que costumam fazer da autora nas redes. "Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta, é a glória própria de minha condição./ A desistência é uma revelação".

Carrego comigo. Desistir é um direito e vivo pensando nesse verdadeiro instante humano, nessa revelação. Não que ande desistindo de tudo por aí, mas a reflexão previne de certezas inabaláveis. Confrontar o que fazemos e o que pensamos é uma forma de fortalecer nossa posição caso a legítima desistência não ocorra.

Minha paixão pelo livro é óbvia. Contudo, há o lado da razão na escolha de trabalhar com esse pilar cultural tão incensado em discursos quanto pouco valorizado na prática. Enquanto as leituras se avolumam e se atropelam na biblioteca, lá fora a estupidez come solta e o dinheiro que circula no setor é pouco (e concentrado nas mãos de alguns).

Não bastasse, muita gente considera incompreensível, quando não desprezível, todo trabalho no entorno dessa invenção milenar. Ainda assim, seguimos.

"Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, sem dúvida, o livro. Os outros são extensões de sua vista; o telefone é a extensão da voz; ainda temos o arado e a espada, extensões do braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação", cunhou Jorge Luis Borges.

Para Irene Vallejo, "A invenção do livro foi talvez o maior triunfo na nossa luta tenaz contra a destruição. [...] Sem os livros, as melhores coisas do nosso mundo teriam se dissipado no esquecimento". Gostei tanto deste trecho de "O Infinito em um Junco" que ele virou epígrafe do meu próprio livro sobre livros, "A Biblioteca no Fim do Túnel".

O objeto fascina. Reconheço, porém: já faz alguns anos que me apego mesmo ao que encontro dentro dos livros. Compreender a diferença entre a plataforma e o conteúdo é crucial para descartarmos bobagens, não louvarmos qualquer coisa apenas porque chega aos leitores num calhamaço de folhas protegidas por capas bonitas.

A literatura é o que mais me interessa. E aqui recordo Natalia Ginzburg. Ao escrever sobre "Cem Anos de Solidão", de Gabo, ela deixou palavras que extrapolam a narrativa longa e servem muito bem para qualquer forma de criação literária:

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"Os verdadeiros romances podem milagrosamente nos devolver o amor pela vida e a sensação concreta do que queremos da vida. Os verdadeiros romances têm o poder de nos livrar da covardia, da letargia e da submissão às ideias coletivas, aos contágios e aos pesadelos que respiramos no ar. Os verdadeiros romances têm o poder de nos conduzir, repentinamente, ao coração do real".

Como isso daqui começou como uma reflexão e virou um compilado de citações de gente que admiro pra caramba, vou pescar mais duas que ajudam e transmitir como é ter a vida dedicada aos livros. A primeira apareceu na coluna há algumas semanas, vem de "A Mais Recôndita Memória dos Homens", de Mohamed Mbougar Sarr:

"Nossa vida é isto: tentar fazer literatura, sim, mas também falar dela, pois falar dela significa mantê-la viva, e enquanto ela for viva a nossa vida, mesmo inútil, mesmo tragicamente cômica e insignificante, não estará perdida de todo".

A outra circula tanto por aí que deve estar meio batida, soa como clichê. Paciência. É de um discurso do crítico literário Antonio Candido:

"Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando. Daqui a 10 minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo. Esse tempo pertence a meus afetos. É para amar a mulher que escolhi, para ser amado por ela. Para conviver com meus amigos, para ler Machado de Assis. Isso é o tempo".

Por que ainda acreditar nos livros mesmo quando são tão desprezados, mesmo enquanto o mundo desmorona? Porque aproveitar o tempo para ler e se meter por universos literários estão entre as coisas mais aprazíveis a se fazer antes de os vermes roerem nossas frias carnes.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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