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Opinião

Dia do Trabalhador: quem paga as contas dos 'grandes homens'?

Foram os reis que arrastaram pedras para construir Tebas? Para onde foram os pedreiros depois que a muralha da China ficou pronta? Alexandre estava sozinho quando saiu por aí para conquistar meio mundo?

Quem fez a comida? Quem preparou a celebração da vitória?

Quanta gente não trabalha meio que às escondidas, nos bastidores, nas sombras para que um ou outro figurão brilhe para todo o mundo? Vale para empresários, artistas, atletas, governantes...

Um dos livros mais revisitados da minha biblioteca é "Poesia", volumão que reúne anotações autobiográficas, registros de diários e 300 poemas escritos pelo alemão Bertolt Brecht.

Quem trabalhou com afinco na edição bilíngue publicada pela Perspectiva em 2019 foi André Vallias, responsável pela organização e tradução dos textos selecionados. André também assina a introdução da obra.

No calhamaço encontramos poemas escritos entre 1912 e 1956 em cidades como Berlim, Zurique e Santa Monica, nos Estados Unidos. Nascido em 1898, Brecht encarou os pandemônios europeus da primeira metade do século 20.

O escritor que se tornaria famoso sobretudo com sua dramaturgia atuou como enfermeiro na Primeira Guerra. Já autor de destaque, foi perseguido por Hitler e seus capangas com a ascensão do Nazismo. O exílio durou 15 anos. Impossível ser de outra forma: as truculências que presenciou e sofreu influenciaram sua obra.

Brecht escreveu sobre a indiferença de certos grupos enquanto outros eram atacados por carniceiros, falou da verdade andando por aí com sapatos furados em tempos sombrios, ordenou em verso que seus escritos fossem queimados em estúpidas fogueiras junto com outros grandes livros.

Também dedicou parte importante da obra às pessoas comuns, aquelas que sempre ficam à margem da grande história, dos registros oficiais.

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Pesco em "Poesia" um poema de Brecht a respeito dos trabalhadores para este 1º de maio, Dia do Trabalhador:

"Perguntas de um trabalhador que lê"

Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão os nomes dos reis.
Foram os reis que arrastaram os blocos de pedra?
E a mais de uma vez destruída Babilônia
Quem a construiu tantas vezes? Em que casas
Da ouro-radiante Lima residiam os peões de obra?
Para onde foram, na noite em que a muralha da China ficou
Pronta, os pedreiros? A grande Roma
Está repleta de arcos de triunfo. Quem as erigiu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? Tinha a tão decantada Bizâncio
Palácios só para seus moradores? Mesmo na lendária Atlântida
Na noite em que o mar a tragou, gritavam por seus
Escravos os que se afogavam.
.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César subjugou os gauleses.
Não tinha ao menos um cozinheiro ao seu lado?
Felipe de Espanha chorou quando sua frota
Afundou. Não chorou mais ninguém?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem
Além dele, venceu?
.
Cada página uma vitória.
Quem preparou o festim da vitória?
Cada década um grande homem.
Quem pagou a conta?
.
Tantos relatos
Tantas perguntas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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