Esporte e leitura: como um pode melhorar o outro
Outro dia a escritora Paula Maria me convidou para responder uma pergunta: Qual a relação entre os exercícios do corpo e da palavra?
Estar numa boa fase com o esporte ajuda em todos os outros aspectos da vida, respondi. Melhora a disposição, a força, o humor. A corrida é a atividade que tem uma relação mais direta com o trabalho.
O medo de assalto e o receio de ser atropelado me fazem deixar celular e fones de ouvido em casa quando saio para fazer meus quilômetros. Resta, então, papear, discutir e brigar comigo mesmo durante um bom tempo.
Enviei a resposta para a Paula, porém segui com a pergunta na cabeça.
A corrida me auxilia a arredondar ideias, pensar em caminhos para textos, elaborar inquietações surgidas com ímpeto na mente, mas que carecem de lapidação. Parte desta coluna mesmo foi escrita enquanto caminhava após um treino ritmado de 8 quilômetros. Não escrevemos apenas batucando no teclado.
"Tanto a escrita quanto o exercício físico são desenvolvimentos lentos, uma coisa que acontece aos poucos", respondeu para Paula a colega Gaía Passarelli. É uma verdade. Se entender com um esporte leva tempo.
Da mesma forma, escrever livros ou textos mais extensos demanda uma entrega prolongada. Persistência para não sucumbir quando o saco enche e queremos largar tudo. Consciência e fé de que a construção morosa levará, bem mais adiante, ao resultado esperado.
Nessa correlação, quando comecei a trotar por aí logo ficou clara a força que os livros poderiam me dar. "Correr - O Exercício, A Cidade e o Desafio da Maratona", de Drauzio Varella (Companhia das Letras), e "Boston - A Mais Longa das Maratonas", de Sérgio Xavier Filho (Arquipélago), me acompanharam dos 5 aos 21 quilômetros.
Numa das fases mais chatas da vida, a recuperação de uma lesão meio séria no joelho direito e a difícil retomada das atividades, tive o apoio de Haruki Murakami e o seu "Do que Eu Falo Quando Eu Falo de Corrida" (Alfaguara, tradução de Cássio de Arantes Leite). Escritor celebrado pelo mundo, o japonês que há décadas encara maratonas considera a corrida de longa distância o hábito mais útil e significativo adquirido na vida.
"Forçar a si mesmo ao máximo dentro de seus limites individuais: essa é a essência de correr, e uma metáfora aplicável à vida", escreve num momento de "Do Que eu Falo Quando Eu Falo de Corrida".
Ali também registra: "A maior parte do que sei sobre escrever ficção aprendi correndo todos os dias". Pelo visto, o colega é outro que usa a solidão durante quilômetros e mais quilômetros para refletir sobre o que faz, se entender com as próprias ideias e burilar pensamentos a serem compartilhados com o papel.
Apesar de gostar, a corrida é um esporte que não entra no meu pódio de preferências. A ordem depende da fase, mas pegam primeiro, segundo e terceiro lugares o futebol de campo, o vôlei de quadra e o vôlei de areia. Hoje, também fazem parte da minha rotina. Sou um zagueiro destrambelhado e um meio de rede que vive chegando atrasado nas bolas.
De verdade, não sou bom em nenhuma dessas atividades. Porém, não fosse pela leitura e pela escrita, indissociáveis no meu dia a dia, a situação seria ainda mais dramática. Penso, então, numa outra resposta possível para a pergunta da Paula.
Ter uma vida dedicada aos livros me faz, aos poucos, mas cada vez mais, compreender melhor o que acontece num campo ou numa quadra. É a tal leitura de jogo. Antever movimentos, perceber padrões, enxergar espaços, procurar por caminhos menos diretos para atingir objetivos. São qualidades desenvolvidas com o avançar da idade, coincidem com o avolumar dos bons livros em meu repertório.
Uma pena: quase sempre a cabeça arejada pensa em soluções excelentes, só que o corpo brucutu não consegue executá-las.
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