Pulitzer para uma mexicana e o nosso deslumbre pelo reconhecimento gringo
Na semana passada o Pulitzer, um dos prêmios mais importantes dos Estados Unidos, anunciou seus vencedores. A mexicana Cristina Rivera Garza levou a categoria Memórias ou Autobiografia por conta de "O Invencível Verão de Liliana".
Dois pontos da escolha merecem a atenção. Primeiro, cai bem ao livro um prêmio que reconhece tanto o jornalismo quanto a ficção literária. "O Invencível Verão de Liliana" (e o trabalho de Cristina de forma geral, me parece) transita muito bem entre esses universos. Segundo, é mais um aplauso relevante de um mercado importante a escritores da América Latina.
Por coincidência, "O Invencível Verão de Liliana" foi o livro escolhido para a estreia do Clube de Leitura da Página Cinco. Não por acaso. Indico o título por aí desde sua publicação no Brasil pela Autêntica Contemporânea (tradução de Silvia Massimini Felix), em 2022.
A obra colecionou prêmios literários de língua espanhola antes de a sua tradução para o inglês vencer o Pulitzer. Nela, Cristina encara a morte de Liliana, sua irmã, assassinada 30 anos atrás por um antigo namorado. Feminicídio não era um termo recorrente naquele México - e naquele mundo - do início da década de 90.
O desenvolvimento de uma linguagem capaz de nomear o que sentimos e vivemos é uma das camadas do texto de Cristina. Transitando entre a literatura, o jornalismo e a história, "O Invencível Verão de Liliana" apresenta ao leitor uma mescla de gêneros (manifesto, epístola, reportagem, memória...) para reconstruir não só a morte, mas também a vida de Liliana.
É bonito notar como a garota assassinada parece ganhar uma outra forma de existência pelos testemunhos de seus amigos, pelas lembranças de parentes, pelas palavras de Cristina. Detalhei melhor a minha leitura numa resenha aqui para a coluna.
No ano passado, uma outra categoria do Pulitzer foi para um latino-americano. Hernán Diaz, argentino que cresceu na Suécia e vive há muitos anos nos Estados Unidos, venceu a categoria Ficção com "Fortune", escrito originalmente em inglês. Dá brecha para, em outra ocasião, discutirmos naturalidades da literatura. O romance saiu no Brasil pela Intrínseca como "Confiança".
No britânico International Booker Prize, mais um prêmio de grande relevância, vira e mexe traduções para o inglês de livros de autores latinos têm pintado entre os finalistas. Neste ano, "Não é Rio", da argentina Selva Almada, e "Torto Arado", de Itamar Vieira Junior, seguem no páreo.
Ambos são publicados pela Todavia, casa que também edita por aqui "Exploração", da peruana Gabriela Wiener. O romance ficou pelo caminho após aparecer na primeira lista do prêmio, mais longa, ao lado de outro escritor latino: o venezuelano Rodrigo Blanco Calderón com o seu "Simpatía", inédito no Brasil.
Em anos recentes, estiveram nas listas do International Booker Prize autoras como as mexicanas Guadalupe Nettel e Fernanda Melchor (leiam "Temporada de Furacões", Mundaréu!), o chileno Benjamín Labatut e as argentinas Claudia Piñero, Mariana Enriquez, Gabriela Cabezón Cámara (leiam "As Aventuras da China Iron", Moinhos!) e Samanta Schweblin (leiam tudo dela!). Paulo Scott com o seu "Marrom e Amarelo" (Alfaguara) foi outro brasileiro indicado pela premiação.
Não por acaso, pipocam reportagens em jornais como o Guardian e o New York Times apontando para o que chamam de um novo boom da literatura latino-americana. É uma referência ao esforço para se reduzir num único termo o que rolou ali pelos anos 1960 e 1970. Fizeram sucesso para além de nossas terras autores como o peruano Mario Vargas Llosa, o argentino Julio Cortázar e o colombiano Gabriel García Márquez.
No mundo razoável esse reconhecimento a escritores latino-americanos deveria soar como um "pô, legal, boa leitura aí para vocês. Nós aqui da parte pobre da coisa já sabemos que é bom e lemos faz tempo".
Mas movimentos de lá podem influenciar radicalmente nossa atenção por aqui, então notícias assim viram motivos de festa. Para muitos leitores, alguém da América Latina - ou da Ásia, da África... - só passa ser digno de leitura após os aplausos do povo de Londres ou Nova York.
É tosco, mas é isso.
Temos o que comemorar, já que construir uma dinâmica diferente soa como delírio.
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