Elogios em inglês no TikTok comprovam: Machado de Assis é bom mesmo
Como disse outro dia, ao escrever sobre o Pulitzer para a mexicana Cristina Rivera Garza, nós adoramos o reconhecimento gringo. O que deveria soar como um "legal que descobriram algo da gente, boa leitura aí para vocês" vira um fuzuê capaz de influenciar o olhar de muita gente por aqui. Agora acontece (de novo) com Machado de Assis.
Courtney Henning Novak, dos Estados Unidos, viralizou após se derramar por "Memórias Póstumas de Brás Cubas". Machado cruzou o caminho de Courtney enquanto a leitora tenta conhecer pelo menos um livro de cada país do mundo. Foram diversos os comentários positivos feitos ao brasileiro em suas redes sociais.
O que faço com o resto da minha vida após ler esse livro? Este é o melhor livro do mundo, por que nunca me avisaram? A tradução de Flora Thomson-DeVeux é de qualidade, mas não dá para imaginar quão bom é o livro na língua original. Agora terei que aprender português. Acho que é meu livro favorito, desbancou "Orgulho e Preconceito". Preciso ler mais Machado e mais literatura brasileira. Bravo, Brasil!
Se há elogios em inglês então a coisa presta mesmo, pensa muita gente aqui neste lado do mundo. E não me parece ter sido o caso de Courtney, mas lá fora sacaram ser um bom negócio badalar o que é daqui. Qualquer gringo que se emocione com nossas músicas, aplauda nossa comida açucarada ou vista a camisa de algum time ganha a simpatia e milhares de likes de brasileiros. As métricas de engajamento agradecem.
Sabemos há muito tempo que Machado e o seu "Memórias Póstumas" são excelentes. Razões não faltam. A ironia, uma das principais marcas do escritor, está afiadíssima nesse clássico. O defunto autor, sacada improvável, é sujeito que cativa pela personalidade nada afável. Sua acidez desvela muitas das hipocrisias sociais que parecem atemporais.
Há humor, muito humor em "Memórias Póstumas". Outro dia ouvi um importante crítico dizer que o considera o livro mais engraçado já lido. E o final do romance é um dos mais marcantes da história da literatura.
Agora, se muitos brasileiros não dão bola para o Bruxo do Cosme Velho, daí o problema é outro. O marketing de alguém embasbacado falando em inglês funciona melhor do que o perene reconhecimento em nossa própria língua. E não venham me dizer que falta incentivo à leitura de Machado.
Curioso: de tempos em tempos os gringos descobrem Machado, mas o nome do autor nunca se estabelece de vez lá fora. Segue tratado com surpresa, com certa excentricidade. Olha só, então quer dizer que também há literatura, e das boas, no Brasil?
Harold Bloom, Salman Rushdie e Maya Angelou são apenas três dos importantes nomes da literatura de língua inglesa que reconheceram em diferentes momentos a grandiosidade machadiana. Há alguns anos, também rolou festa nas redes quando a crítica Parul Sehgal recebeu com entusiasmo os contos do autor num ensaio para o New York Times.
Vieram de fora contribuições importantes para a forma como compreendemos Machado, sei disso. Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Taí uma discussão estabelecida somente entre os anos 1950 e 1960, umas seis décadas após a publicação do "Dom Casmurro", outro monumento. A estadunidense Helen Caldwell e o seu "The Brazilian Othello of Machado de Assis" que deixou a dúvida enraizada no imaginário dos leitores.
Não se trata de pachequismo nem de desprezar como nos olham. Mas temos capacidade de avaliar por conta própria o que fazemos de bom e de ruim. E nos faria bem repensar esse modo subserviente como nos deslumbramos com qualquer afago, ainda que merecido, vindo de determinadas partes do mundo.
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