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Leia Chomsky para deixar de ser 'besta', recomendava Hilda Hilst

Semana passada mataram Chomsky.

Almoçava com um amigo. Numa ida dele ao banheiro, dei uma bisbilhotada rápida no celular. Bati o olho no Twitter e encontrei os lamentos. Alguns choravam pela morte do linguista e analista político, autor de livros como "Quem Manda no Mundo?". Fiquei com aquilo na cabeça.

Tempo depois, quando voltei às redes, a lamúria era bem maior. Poxa, pelo visto Chomsky tinha ido mesmo. Um aspecto, porém, me deixou encasquetado: falavam da passagem do intelectual, mas não detalhavam a morte nem indicavam de onde vinha a notícia.

Em sites sérios, quase nada sobre o assunto. Mesmo quando algum veículo graúdo o noticiava, fazia isso sem lastro. Trocaram a apuração pelo bafafá da internet. Tem acontecido muito.

Alguns atribuíam a informação falsa à versão estadunidense da revista Jacobin. Pelo visto, apagaram a barrigada assim que notaram que Chomsky não estava tão morto assim —pelo contrário, aliás, segue vivíssimo, alertou a própria esposa.

Errar feio e depois fingir que nada aconteceu, olhar para o lado como se tivesse sido apenas um tropeção no meio da rua, tem sido outra prática mais comum do que deveria entre jornalistas, comunicadores e gente que vive de auê nas redes sociais.

Lembranças e associações improváveis fazem parte da vida. É Hilda Hilst que não sai da minha cabeça desde que rolou o morre-não-morre de Chomsky. Estive passeando por textos da autora por conta de um curso de Crônicas e Ensaios que ministro na LabPub, daí alguns de seus escritos estarem mais acessíveis em minha mente.

Sequer trabalhei esses textos em sala de aula, mas é pegar o "132 Crônicas: Cascos & Carícias", reunião publicada pela Nova Fronteira em 2018, que me lembro de algumas passagens. Uma deles é de "No do Outro Não Dói, Né, Negão", que dialoga com o Brasil de hoje mesmo tendo sido escrito há exatos 30 anos.

É inadmissível que até mesmo pessoas tidas como inteligentes, cultas, ainda rotulem de ''comunistas'', de 'esquerda festiva' aqueles que ficam indignados diante da extrema miséria em que vivem quarenta e dois milhões de brasileiros! Isso me deixa colérica. Quer dizer que não é pra se indignar? É pra deixar que poucos enrabem muitos, que 'é assim mesmo a vida', uns nasceram para ser enrabados e outros para enrabar? Hilda Hilst, autora de "O Caderno Rosa de Lori Lamby"

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Numa outra, "Momento Homo!", de setembro de 1994, revolta-se contra a higienização ainda aplaudida por tantos. Classifica como bandidos aqueles que tiram colchões de quem já não tem quase nada. "Então você tá lá esbodegado paupérrimo desgraçado, hodido (que em espanhol quer dizer a mesma coisa), e vem um pulha e te tira o colchão. Ah, eu puxava o canhão! Eta sociedade porreta! Eta capitalismo bão! Cadê a fraternidade, gente?".

Mas falava de Chomsky, aquele que não se foi. Hilda, que com frequência elaborava poemas dentro de suas crônicas, inspirou-se no estadunidense para escrever os versos de "Poeminha 'pras Massa'", atribuído a Hirdo Hirdis, parte de "No Arranque das Tretas".

É por isso que Hilda não sai da minha cabeça desde que vi os lamentos pela falsa morte de Chomsky. Um trechinho:

Se tu lesse o Chomsky
Tu ia compreendê
Porque os dotô se lava nos Caribe
E tu só lava a ti nos Tietê.
Se tu lesse o Chomsky
Tu ia gargalhá
Da besta que tu foste
De tanto acreditá

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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