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Opinião

Uma feira do livro em meio à sombra medonha que não para de crescer no país

Já tem mais de década que uma sombra estranha se alastra pelo mundo. Não dá para acostumar. Tomei um susto quando vi dois caras com a "Bíblia" nas mãos fazendo pregação durante a abertura da Copa América. Virou campeonato da igreja o negócio?

Por aqui, 33% dos brasileiros pensam que seria uma boa o país desistir de partidos políticos, eleições e votos. Para esse um terço, estaria ótimo se respondêssemos a leis religiosas, leio na coluna do colega Jamil Chade. Mas, sabemos, fundamentalismo é coisa do Irã, do Afeganistão.

E toda semana temos notícias dessa sombra medonha atingindo os livros. Dias atrás, pais deram chilique e a prefeitura de Conselheiro Lafaiete, em Minas, mandou recolher "O Menino Marrom" (Melhoramentos) das escolas. Néscios consideraram o trabalho de Ziraldo agressivo.

Em São José dos Campos, o livro banido das salas de aula foi "Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas", de Flávia Martins de Carvalho (Mostarda). Alguém da Câmara dos Vereadores alegou uma estupidez qualquer, dessas que pegam bem entre eleitores da extrema direita, para pedir que a obra ficasse, ó meu deus, longe das criancinhas.

Enquanto isso, editoras e associações disparam posts nas redes sociais e mensagens protocolares. Rodrigo Maia fez escola com suas notas de repúdio inócuas.

É um alento quando, nesse cenário, algo como A Feira do Livro nasce e começa a se firmar como um dos principais eventos do setor. Neste ano, o encontro paulistano chega à terceira edição e ganha nova dimensão. Agora não serão cinco, mas nove dias de praça Charles Miller ocupada por estandes cheios de livros e palcos com papos sobre literatura.

A Feira começa neste sábado (29) e vai até o dia 7 de julho. A promessa é que o leitor encontre por lá cerca de 150 expositores. Pelos palcos, passarão dezenas de escritores, tradutores, historiadores, jornalistas — gente ligada, de alguma forma, ao universo dos livros.

Olhando para a programação (veja aqui a grade completa), o primeiro domingo (30) me parece imperdível. Pretendo chegar cedo para ver o historiador português Rui Tavares, de quem sou fã desde que o escritor Fred Di Giacomo me apresentou o podcast "Agora, Agora e Mais Agora".

Um papo sobre comida no meio da tarde com Rita Lobo será uma boa para esperar por duas mesas de peso. Às 17h, Tatiana Salem Levy, de "Vista Chinesa" (Todavia), estará ao lado da argentina Claudia Piñeiro, autora de "Catedrais" (Primavera Editorial), livro a respeito desse obscurantismo religioso que paira sobre nós (resenhei o romance aqui).

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Na sequência, Camila Sosa Villada, outra argentina, fechará a programação do dia. Camila fez sucesso com "O Parque das Irmãs Magníficas" (Tusquests). Agora, uma boa leva de seu trabalho chega às nossas livrarias por diferentes editoras. Acabam de sair o romance "Tese Sobre Uma Domesticação" (Companhia das Letras), a novela "A Namorada de Sandro" (Tusquets) e o ensaio "A Viagem Inútil" (Fósforo).

Durante a semana os papos ficarão para o final da tarde, começo da noite. Na terça (2), Sérgio Rodrigues e Daniel Kondo estarão ao lado do sempre excelente Luiz Antonio Simas. Na quarta (3), um papo com Nando Reis e outro entre Rodrigo Hübner Mendes e Walter Casagrande podem render bons momentos.

Do outro final de semana, quando a coisa volta a ficar mais intensa, destaco o encontro entre o pesquisador estadunidense Henry Louis Gates Jr e a escritora Jamaica Kincaid, que nasceu em Antígua & Barbuda e vive nos Estados Unidos, um dos nomes nomões desta edição.

É uma conversa que rolará no sábado (6), mesmo dia em que Joca Reiners Terron dividirá o palco com o argentino Michel Nieva, autor de "Dengue Boy" (Amarcord), livro que talvez fure a fila na minha pilha de leituras.

No domingo (7), último dia de Feira, pode ser legal o encontro entre Ivan Angelo e Maria Adelaide Amaral, veteranos que estão com novidades. Ele, "Vida ao Vivo" (Companhia das Letras), ela, "Aos Meus Amigos" (Instante).

De verdade, faz bem para quem trabalha metido entre páginas e mais páginas perceber que ainda há espaço para algo assim no Brasil. E algo com a dimensão que a Feira (gratuita, num lugar icônico) tem tomado. Se a edição passada deixou uma excelente impressão no público, a tendência agora é que ela firme de vez no imaginário dos leitores - os de São Paulo, pelo menos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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