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A onda dos livros magrelinhos

João Ubaldo Ribeiro tinha acabado de lançar "Vila Real" quando, num papo com Pedro Paulo de Sena Madureira, então editor da Nova Fronteira, foi provocado. Ouviu que os escritores brasileiros estavam escrevendo livros muito curtos, fininhos, para serem lidos numa ponte aérea.

Então quer que eu faça um livro grosso? João saiu da sala decidido a mostrar a Pedro Paulo, uma das grandes figuras do nosso mercado editorial no século 20, que um escritor brasileiro seria sim capaz de escrever um livro que parasse de pé.

Meia década depois, enfim a resposta. Um catatau com mais de 600 páginas chegava às livrarias. O título? "Viva o Povo Brasileiro", livro mais aplaudido do bigodudo. O desafio rendeu um clássico e entrou para a mitologia da literatura brasileira.

Recordo a história enquanto olho ao meu redor e reparo no tamanho de diversas publicações recentes. Uma série de obras tão boas quanto fininhas. "Uma Mulher", de Annie Ernaux, "Aquiles ou Ulisses?", de Pierre Judet de la Combe, "A Revolta dos Bichos", de Mykola Kostomárov, "Brancura", de Jon Fosse...

Nenhum deles passa das 100 páginas. E alguns ainda contam com projeto gráfico pensado para que o volume tenha algum peso na mão do leitor.

Tijolos como "Viva o Povo Brasileiro" se tornaram raríssimos. Trabalhos com suas 200 páginas continuam saindo aos montes. Mas tem sido curioso observar um nítido aumento desses pequenos e breves exemplares. Vivemos uma onda de livros magrelinhos.

É um formato que converge com traços de nosso tempo.

Para quem vive de fazer rinha de quantidade de livros supostamente lidos para se gabar em redes sociais, esses magrelinhos são um belo adianto.

Para quem encara leituras com o mesmo ritmo frenético imposto por essas redes, também. São leitores que passam por livros como se mudassem de vídeo no TikTok. Sequer digerem um e já estão atrás da próxima novidade.

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E em tempos de aumento progressivo dos preços, esses exemplares tendem a custar menos nas livrarias. Isso em termos absolutos, pois conheço gente que divide o preço do livro pelo número de páginas para fazer um cálculo peculiar e questionável de custo-benefício.

Sim, questionável. Tamanho e qualidade são coisas diferentes. Seria fácil montar uma biblioteca apenas com títulos em que a péssima escrita ocupa centenas e centenas de páginas mal aproveitadas. No sentido oposto, há verdadeiras preciosidades que não precisam de muito para encantar o leitor. Vide Fosse e Annie.

Uma das melhores leituras feitas em 2023 foi publicada num formato mínimo: a simpática e charmosa plaquete. São livretos de pouquíssimas páginas pensados para facilitar a circulação e que emulam uma pegada artesanal.

"Goya, A Linha de Sutura", ensaio de Vilma Arêas sobre a faceta mais interessante do pintor espanhol, é uma leituraça de 24 páginas. Saiu pelo Círculo de Poemas, coleção de poesia das editoras Fósforo e Luna Parque.

Há outras apostas nesse formato. No ano passado, o selo Janela + Mapa Lab lançou uma série com nomes como Marcelo Moutinho, Sérgio Rodrigues, Carlos Eduardo Pereira, Maria Ribeiro e Bianca Ramoneda. Agora, também editam a coleção Plaquetes Rádio Novelo Apresenta, com 12 histórias publicadas primeiro em podcast.

Talvez hoje Pedro Paulo chegasse em João Ubaldo com uma outra provocação: quero ver fazer um bom livro tão pequeno que possa ser levado pelo vento.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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