Pinóquio generoso e mais uma livraria histórica que fecha as portas
Um Pinóquio diferente, sagaz para transformar o nariz que cresce a cada mentira numa artimanha para mudar de vida. Usa a imaginação para criar histórias que conta por aí. Depois corta a napa aumentada para ajudar quem está por perto. Primeiro Gepetto, seu criador. Em seguida, a vizinhança, que começa a se beneficiar dos negócios criados pelo camarada: serraria, loja de móveis...
Um boneco que aliou o talento para criar histórias ao nariz de pau que crescia a cada invencionice para ajudar as pessoas do lugar onde vivia. Esse Pinóquio solidário foi criado em 1981 por um garoto que vivia na Rocinha e estudava numa escola pública da Gávea. Com o personagem que o menino venceu um concurso promovido pela livraria Malasartes para celebrar o centenário do clássico do italiano Carlo Collodi.
"Num concurso em que a maioria das redações era moralista, sobre a importância de não mentir, muitas delas cheias de ameaças de castigo para quem não diz a verdade", recorda Ana Maria Machado, o autor "criara e desenvolvera uma metáfora da própria literatura, com histórias que usam a fantasia para assegurar a sobrevivência". Retiro a passagem e a citação de "Rastros e Riscos - Minhas Memórias de Leitores" (Ática).
O rapaz costumava passar na loja após as aulas. Junto com os colegas, ficava por ali curtindo os livros, descobrindo histórias num espaço criado em 1979 e pensado justamente para as crianças.
A Malasartes despontou como a primeira livraria infantil do país. Ana Maria Machado, gigante de nossa literatura, ajudou a fundar, foi uma das sócias e trabalhou no lugar durante 18 anos. Agora, essa história de mais de quatro décadas mostrando aos pequenos leitores os encantos dos livros chega ao fim.
"É com um misto de emoções que chegamos ao momento de encerrar as atividades da nossa querida Livraria Malasartes... Estaremos abertos ao público até dia 31/07. Venham nos visitar!", informou a livraria em sua página no Instagram.
Apesar de ser uma referência cultural, lugar que recebeu lançamentos de autores como Chico Buarque e Ziraldo, e de ter uma comunidade de clientes que ajudaram a segurar as pontas durante o difícil período da pandemia, pelo visto as contas seguiam difíceis de fechar.
Não é de hoje que livrarias de diferentes tamanhos têm muita dificuldade para lidar com as mudanças do varejo, no geral, e do mercado editorial, de forma mais específica (escrevi a respeito aqui).
Umas infelizmente vão, outras felizmente vem. Com propostas distintas, procuram por modos de fazer com que uma livraria vá além de um bem-vindo sonho e pare de pé também como negócio. No Bixiga, em São Paulo, por exemplo, acaba de ser inaugurada a Barrilete, focada em livros sobre futebol. Café e cerveja fazem parte do que o lugar tem a oferecer.
No dia 25 de agosto, a Barrilete e outras sete livrarias de rua estarão no Livro de Domingo, evento gratuito que acontecerá pelos lados da avenida Paulista (aqui mais informações). Também estarão por lá a Aigo, a Banca Tatuí, LiteraRUA, a Eiffel, a Lovely House, a Miúda e a Marcadinho Simples.
São focos diferentes, com propostas diferentes. Uma livraria que nasce jamais substitui uma livraria que se vai, mas acrescenta um novo horizonte ao mercado editorial, novos caminhos para diferentes tipos de leitores.
Não sei se aquele garoto que reinventou Pinóquio teve sua vida transformada pela literatura. Mas tenho certeza de que, pelo menos, viveu alguns momentos memoráveis graças aos livros descobertos na Malasartes. Não é pouco. Que outros leitores possam passar pelo mesmo nas livrarias existentes e nas que ainda virão a existir.
Que encontrem nelas os livros que expandirão seus horizontes, lhes apresentarão possibilidades de vida até então inimagináveis.
Como diz Ana Maria Machado num outro trecho de "Rastros e Riscos", ir além da nossa individualidade é essencial:
É fundamental descobrir quem é diverso ou diferente, que um livro nos leva a crescer muito além de nossos limites individuais, que nos oferece a revelação de infinitas possibilidades, a abertura para a rica diversidade da vida, da história e da humanidade como um todo. Uma casa em que todas as paredes são recobertas de espelhos seguramente é redutora de experiências e leva a uma enlouquecedora supressão de horizontes.
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Quero receber*Atualização às 11h do dia 24/07/24: como bem notou o leitor Caio Vaz Guimar, dia 25 de agosto ainda está meio longe, não é o próximo domingo, conforme escrito anteriormente. A informação foi corrigida.
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