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Organizar informações: a conexão entre livros medievais e a internet

Mas por que alguém se interessaria por um livro desses?

Foi o que pensei quando coloquei as mãos em "Índice, Uma História do - Uma Aventura Livresca, dos Manuscritos Medievais à Era Digital", do professor e pesquisador inglês Dennis Duncan. Uma das minhas obsessões da vez, os livros sobre livros, me fez dar atenção para o volume recém-publicado no Brasil pela Fósforo, com tradução de Flávia Costa Neves Machado.

Logo notei: não poderia estar mais errado na minha desconfiança. Uma improvável imersão na história do índice pode sim ser preciosa. Se o excesso de informações é uma das grandes questões de nosso tempo, as formas de organizá-las e encontrá-las são primordiais. Dennis vai muito bem em mostrar como a ferramenta sobre a qual se debruça conecta os livros da Idade Média às pesquisas feitas no Google.

Imagine qualquer universo de informações. Ter um mapa para se encontrar nesse território é crucial quando estamos atrás de algo específico. Daí a importância de sabermos em quais páginas há algo sobre, digamos, a Guerra Civil Espanhola numa biografia de George Orwell.

Dados desconexos e impossíveis de ser localizados não passam de um caos de pouca serventia. Enquanto lia Dennis, não podia deixar de pensar na bagunça que deixa minha biblioteca pouco útil em algumas épocas do ano.

Como o alfabeto foi ordenado e quem o fez? Afinal, por que o H vem antes do I? São perguntas que começamos a nos fazer durante a leitura de "Índice, Uma História do". Isso enquanto o autor desnaturaliza invenções que parecem nos acompanhar desde sempre. Páginas numeradas, uma obviedade em nossos dias, eram raras no final do século 15, quando apenas 10% dos livros impressos tinham essa ordenação.

É evidente a pegada borgiana nesse trabalho sobre as muitas possibilidades de organização da palavra. É um mérito de Dennis transformar um assunto tão pouco atraente numa primeira batida de olho num livro ótimo de ler, cheio de humor e boas histórias, em que pese a mania do autor de ficar na defensiva por bobagens ditas por terceiros, quase como se pedisse desculpas por mancadas alheias.

Entre o passado e o presente, Dennis explica como uma pesquisa no Google não passa de uma busca no índice feito pela plataforma. Com o virar das páginas que lembramos o quanto funcionalidades como o "localizar" dos livros digitais ou de PDFs facilitaram pra caramba nossa vida na hora de encontrar determinadas informações. Aí que também paramos para refletir no imenso trabalho que deveria dar para fazer um índice remissivo numa época pré CTRL+F.

A desconfiança que temos dos algoritmos que silenciam e impulsionam vozes ecoa sacanagens e artimanhas feitas em outros períodos, em outras escalas. No século 18 já havia quem usasse índices para fazer propaganda política, recorda o autor.

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Índices podem ser vistos de maneira diferentes ou pensados de formas distintas conforme o público, o país, a língua, o tempo em que é feito ou lido. E também provocam impactos e discussões que atravessam os séculos.

Dennis mostra que a forma como inovações influenciam a leitura e a escrita são preocupações perenes. Bem como os temores sobre a morte da literatura (impressionante como tem gente que curte cogitar ou decretar mortes do tipo por aí). Nesse sentido, finalizo com um trecho daqueles que nos deixam pensativos:

"A leitura não possui um ideal platônico. O que consideramos uma prática normal sempre foi uma resposta à complexidade de circunstâncias históricas, e cada mudança no ambiente social e tecnológico produziu um efeito na evolução do que significa 'ler'. Não evoluir como leitores - desejar que, como sociedade, continuemos a ler com a mesma profunda concentração de, digamos, um frade isolado do mundo num mosteiro do século 11, com uma biblioteca de meia dúzia de volumes - é tão absurdo quanto reclamar que uma borboleta não é bela o bastante. Ela é como é porque se adaptou perfeitamente a seu ambiente".

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Atualização às 10h31 do dia 29 de agosto de 2024: o correto é CTRL+F, não CTRL+L, como escrito antes.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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