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Biblioteca tóxica: Os livros que carregam veneno em suas páginas

Em "O Nome da Rosa", mortes misteriosas assustam monges num recluso mosteiro da Idade Média. Se alguém melindra com spoilers mesmo quando falamos de um dos livros mais badalados do último meio século, publicado em 1980, melhor pular o parágrafo abaixo.

Na trama do italiano Umberto Eco, um dos grandes bibliófilos de nossa história, é a curiosidade misturada com a busca pelo conhecimento que leva os monges até os setores mais desaconselháveis de uma admirável biblioteca. As tintas envenenadas de um mítico livro proibido de Aristóteles fazem com que em pouco tempo os estudiosos virem cadáveres. Jamais poderiam passar adiante os ensinamentos talvez hereges que viram por aquelas páginas.

Quem encontrar com um exemplar feito de páginas envenenadas por aí poderá ficar mais tranquilo. É praticamente certo que não terá o mesmo destino daqueles devotos da fé e da sabedoria que sucumbem no romance de Eco. Digo isso após ler uma matéria do colega Ruan de Sousa Gabriel atualizando dados sobre o Poison Book Project.

Há cinco anos, a pesquisadora Melissa Tedone, da Universidade de Delaware, resolveu investigar um vistoso exemplar que tinha de um livro inglês da era Vitoriana. A tinta verde que tanto lhe chamava a atenção, descobriu, era feita de arsênico, capaz de provocar envenenamentos letais.

O arsênico era apenas uma das diversas substâncias tóxicas utilizadas para dar cores a livros durante o século 19. Chumbo e mercúrio são dois dos outros elementos que fazem parte desse pacote capaz de assustar leitores. Investigando exemplares antigos de bibliotecas de diversas partes do mundo, o Poison Book Project já identificou até aqui 313 exemplares embelezados com o verde hipnotizador que vem do arsênico.

Apesar de alguns cuidados serem recomendados na hora de ler um livro literalmente tóxico (use luvas específicas e não os lamba, caso você tenha o estranho hábito de levar livros à boca), são volumes relativamente inofensivos. Talvez rendam a seus leitores apenas certa tontura e alguns revertérios na barriga, nada muito diferente de uma bebedeira com cerveja vagabunda.

Nas misturas de ensaio com ficção de "Quando Deixamos de Entender o Mundo", o chileno Benjamin Labatut mostra como diversas substâncias químicas serviram tanto à arte, à beleza, quanto às guerras, à morte. Lembra, por exemplo que o elemento que conferia o azul do céu de "Noite Estralada", de Van Gogh, também enfeitaria os uniformes da infantaria do Exército prussiano, "como se houvesse algo na estrutura química da cor que invocasse a violência, uma sombra, uma mácula essencial" herdada de experimentos macabros de alquimistas.

Deixando os traços pitorescos de lado, livros com páginas contaminadas que devem ficar longe dos humanos não são tão incomuns assim. Recentemente, livrarias e bibliotecas ficaram inundadas durante a hecatombe vivida pelo Rio Grande do Sul. Mesmo que apresentasse aparência razoável depois de secar, parte considerável desses acervos precisou ser jogada fora após ficar encardida com elementos tóxicos carregados pela lama.

Voltando aos exemplares de séculos atrás, pensando numa biblioteca de gosto questionável, os livros feitos de arsênico e outras substâncias potencialmente mortais poderiam fazer par com um outro tipo de volume que causou recente polêmica. Há alguns meses, a universidade de Harvard decidiu dar um novo destino para um dos exemplares mais controversos de seu acervo: um calhamaço encadernado com pele humana.

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As páginas abraçadas pelos restos de uma mulher morta num hospital psiquiátrico também era um objeto do século 19, época pelo visto prolífica em oferecer aos leitores livros com soluções peculiares de edição.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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