Topa tudo: Livro mostra como Silvio Santos foi produto de Senor Abravanel
Por que Silvio Santos mentia ao dizer quantos anos tinha? Por que apenas em 1987, já beirando os 60, que assumiu a idade real?
Se nesse aspecto deturpava a verdade como lhe convinha, quais outras ficções, mentiras ou meias-verdades fariam parte da história do personagem, um dos maiores ícones da televisão brasileira?
A inquietação com a forma como Silvio jogava com a própria idade levou o jornalista Mauricio Stycer a esmiuçar como o comunicador morto no último sábado construiu toda uma mitologia para si. Fez isso "sem muitas testemunhas, lapidando algumas versões que tornam seus feitos da juventude e início da vida adulta ainda mais heroicos", escreve Stycer.
A investigação do jornalista sobre a vida, sobretudo a pública, do antigo dono do SBT resultou no livro "Topa Tudo Por Dinheiro: As Muitas Faces do Empresário Silvio Santos", publicado pela Todavia em 2018. Assim que o biografado se foi, a obra passou a ocupar ótimas posições em listas dos mais vendidos.
Acerta quem busca conhecer Silvio pelo trabalho de Stycer. Não estamos diante de mais uma hagiografia ou homenagem acrítica como tantas que pintam nessa fase pós-morte. Tampouco encontramos meras pedradas descontextualizadas como os que pipocam aqui e ali. "Topa Tudo Por Dinheiro" é um trabalho sóbrio a respeito da trajetória cheia de contradições do empresário.
Coube a Stycer perambular pelo universo de um personagem que cuidou de criar e espalhar fabulações e informações incompletas ou erradas a seu próprio respeito. E que contou com a conivência ou o descaso de muita gente (alô, colegas jornalistas!) para que essa imagem manipulada se cristalizasse perante o público.
O livro explicita o quanto o homem recém-falecido era, acima de tudo, um empresário. O próprio Silvio Santos deve ser visto como uma criação de Senor Abravanel, o homem por trás do microfone. Esse personagem que encantava o público fazendo piadas de gosto duvidoso e arremessando aviões de dinheiro enquanto ria, cantava e faturava foi a invenção fundamental elaborada por Senor.
"A sua história é a de um vendedor que vislumbrou na comunicação a ferramenta mais eficaz para promover os seus produtos. Descontada toda a mitologia criada a seu respeito, Silvio sempre adotou duas 'personas', por assim dizer, para transitar em duas estradas paralelas - o comércio e a promoção".
Não poderia ser diferente: a constrangedora relação de Silvio com a política também está no livro.
Da aliança quase fraterna com os militares ao puxa-saquismo a qualquer um que assumisse a presidência após a redemocratização, o empresário esteve pronto para bajular detentores do poder. Quando ele mesmo tentou ser presidente, protagonizou episódios que rendem momentos de humor involuntário à biografia.
Milhões de brasileiros tiveram uma relação profunda com Silvio. Sentiam-se íntimos daquele cara que passava horas e mais horas na televisão alternando brincadeiras com tentativas de vender produtos de beleza ou carnês. Viviam o domingo na companhia do amigo que tentava lhes empurrar bugigangas.
"Topa Tudo Por Dinheiro" é uma forma de compreender como esse tal amigo era, ele mesmo, uma mercadoria do homem que se foi no último final de semana.
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