Felipe Neto na Flip: o que pensar
A Bienal Internacional do Livro de São Paulo chegou ao final da edição deste ano com números retumbantes. O evento atraiu mais de 700 mil pessoas e ficou abarrotado nos finais de semana. Editores comemoraram vendas que, no geral, superaram bastante expectativas que já eram otimistas.
O público da Bienal procurava por literatura juvenil, principalmente. Como fazer, então, com que gente que hoje lê Colleen Hoover ou Hwang Bo-Reum em algum momento também se interesse por autores que oferecem uma arte mais madura, como Gabriela Cabezón Cámara e Mohamed Mbougar Sarr?
Esses dois últimos são convidados da Flip deste ano, que acontecerá entre os dias 9 e 13 de outubro com curadoria de Ana Lima Cecilio. Tirar o blazer, colocar um tênis (ou chinelo) e aproximar quem curte bienais de quem prefere o evento de Paraty, universos de leitores que parecem tão distantes, deveria ser um desafio prioritário para o setor. Com cuidado para não sucumbir ao fluxo da grana e às listas de mais vendidos, é preciso buscar diálogo com essa literatura mais pop.
Pode virar um aceno nesse sentido a ida de Felipe Neto à Flip deste ano, poucas semanas depois de levar uma multidão à própria Bienal de São Paulo. De influencer revoltado com tudo a autor de "Como Enfrentar o Ódio", recém-lançado pela Companhia das Letras, Felipe parece ter uma história interessante relacionada aos livros.
Ainda cheio de convicções e apostando numa indignação voraz para instaurar debates, o cara tem pautado debates literários há algum tempo. Acabou de ser assim ao falar, mais uma vez, sobre o ensino da literatura em escolas. Também rolou ao demonstrar incômodo com passagens racista de "Moby Dick", clássico de Herman Melville. Antes, na Bienal do Rio de 2019, fez bom papel ao se posicionar contra ataques homofóbicos promovidos pela prefeitura da cidade.
Com o clube de leitura que fundou no meio do ano, impulsionou títulos como "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury, e "Corpos Secos", de Luisa Geisler, Marcelo Ferroni, Natalia Borges Polesso e Samir Machado de Machado, às listas de best-sellers. Legal saber que tem muita gente conhecendo o trabalho de autores desse nível.
Não li o livro de Felipe, mas alegar que ele não seria bom o suficiente para justificar sua presença na Flip soa frágil. A festa já recebeu uma série de escritores bem fraquinhos, que talvez não tenham sido alvo de reclamações porque ninguém os conhecia e pouco foram lidos — além de causar bem menos desgaste criticar alguém já tão criticado como a estrela da internet. Qualquer evento literário é feito com autores de qualidades díspares, faz parte.
Não é de hoje e não há como negar: gostem ou não, Felipe virou um personagem relevante e, até pelas suas contradições, interessante. Sem deixar o olhar crítico de lado, mas reconhecendo a importância de se valorizar tensões e aproximar públicos, faz bem para os eventos e para os leitores que haja alguma forma de diálogo entre o que vemos em Flips da vida e nas Bienais.
É bem diferente de um outro anúncio que provocou auê nas redes.
A FliMUJ (Festa Literária do Museu Judaico), que rolará entre os dias 18 e 21 de setembro em São Paulo com curadoria de Daniel Douek, receberá ótimos nomes em sua programação. Falo de gente como Daniel Galera, Leonardo Padura e Ariana Harwicz.
Junto deles estará Courtney Novak. Não sabem quem é? Pois relembro. Trata-se da norte-americana que viralizou após se mostrar encantada com a leitura de "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
Pela repercussão por aqui, parecia que precisávamos de uma estadunidense emocionada para sabermos que Machado de Assis é bom mesmo. O convite para o evento é mais um sintoma do quanto brasileiros se deslumbram com qualquer elogio feito em inglês — se tem uma gringa falando bem de Machado no TikTok, então está confirmado que ele é bom mesmo, parecem pensar.
Aqui, sim, o leitor que não topa qualquer oba-oba (ainda que releve e até veja importância em algum) tem razão de sobra para resmungar.
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