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Opinião

Paola Carosella e as formas de superar a mediocridade na cozinha e na vida

Há uma camada bonita demais no ótimo "A Mais Recôndita Memória dos Homens", do senegalês Mohamed Mbougar Sarr (Fósforo, tradução de Diogo Cardoso, aqui resenhado). São momentos em que a literatura é tratada como o único país real para alguns personagens. Encontram nos livros o pilar fundamental da identidade, fazem da arte a própria nação.

A comida cumpre papel semelhante na vida de Paola Carosella. A chef compreende o seu lugar no mundo a partir da cozinha e da mesa, dos alimentos frescos aos pratos servidos. É como se encontrasse na gastronomia uma pátria sem estado, sem bandeiras, sem fronteiras rígidas.

Essa possibilidade de nos definirmos pelo que nos é caro, por aquilo que dá sentido à vida, é uma das camadas mais valiosas de "Nem Só de Pão". Nela, Paola repassa momentos importantes da trajetória para compreender a paixão pela comida.

A série em áudio é uma das novidades das Audible, plataforma da Amazon que acaba de lançar diversos programas feitos originalmente no Brasil. No caso de "Nem Só de Pão", é a Rádio Novelo a produtora por trás dos seis episódios.

Nessas memórias, Paola volta à Argentina natal para lembrar os dias ao lado da avó e da autonomia forçada pela ausência da mãe. Recorda os primeiros passos na cozinha profissional e fala sobre o fascínio pelo trabalho que não dá brechas para deslizes. Acidentes com facas superafiadas ou panelas pelando podem ser dantescos.

A chef também passa por suas crises. Num desses períodos de relação azedada com a comida, um livro lhe foi crucial: "Como Cozinhar um Lobo", de M.F.K. Fisher (Companhia de Mesa, tradução de Pedro Maia Soares). Com um espaço central em "Nem Só de Pão", chega a ser exaustivo o quanto a obra da ensaísta estadunidense é citada, mastigada, deglutida e aplaudida por Paola.

É nítido e óbvio o carinho da chef pela boa mesa. E fica clara a emoção de Paola ao repassar e descobrir momentos importantes da própria vida ou de sua família. Tão explícita que em certos momentos essa emoção transborda. O afetivo ganha contornos apelativos, flerta com a lição de moral. Soa como insistência para que o ouvinte tenha determinadas reações.

Outro problema de "Nem Só de Pão" são as repetições. O texto parece pensado para quem não consegue se concentrar direito em nada, por isso precisa ser relembrado a todo momento do que está acontecendo, de onde a história parou ou do que significa determinada metáfora.

Em que pese esses poréns, é bom ouvir Paola contar e pensar a própria história em meio a leituras e conversas com pessoas importantes em sua caminhada.

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Num dos momentos em que a preocupação política fica mais evidente, a chef reflete sobre o significado de seu trabalho em um país que saiu, mas depois voltou para o mapa da fome, apesar da abundância de alimentos produzidos: "A fome é uma escolha. Não, claro, de quem passa fome. Mas de quem provoca a fome."

E aqui o olhar da chef para a cozinha se conecta novamente à literatura, ao meu olhar para a arte. Por que falar de comida ou de livros mesmo em tempos de fome e burrice orgulhosa, de crises severas, de pindaíbas econômicas, de anomalias políticas?

Ora, porque, apesar de todas as adversidades, sempre podemos procurar por maneiras de fazer com que a vida seja um pouco melhor. Saber transformar um prato ordinário em algo sublime ou ganhar um momento num dia caótico graças a um grande livro.

"Talvez precisamente em tempos de miséria e catástrofes a beleza se torne ainda mais necessária, e não apenas para os abastados, longe disso", escreve Michèle Petit no recém-lançado "Somos Animais Poéticos" (34, tradução de Raquel Camargo). A ensaísta francesa prossegue:

Precisamos reconhecer que a beleza constitui uma dimensão humana, não um luxo. E se ela não torna ninguém virtuoso, sua provação pode desencadear uma raiva destrutiva, uma inveja odiosa. Ou uma fragilidade diante do primeiro charlatão que aparece e que, com frases muito bonitas, lucrará com sua angústia.

Conhecer o que é bom para não se satisfazer com qualquer mediocridade, seja na cozinha, na biblioteca ou por outros prazeres da vida, não está diretamente ligado a luxos ou preços altos. Tem mais a ver com formação e informação, com saber tirar o melhor proveito daquilo que temos em mãos. Também com não ser enganados por propagandas ou charlatanices.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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