Nelson Rodrigues para Clarice Lispector: o que mais importa é a solidão
Por que você acha que não agrada aos críticos e aos intelectuais?, quis saber Clarice Lispector de Erico Verissimo. Então, ali por 1969, já consagrado por livros como os da série "O Tempo e o Vento", o autor respondeu:
Os esquerdistas me acham 'acomodado'. Os direitistas me consideram comunista. Os moralistas e reacionários me acusam de imoral e subversivo. Havia ainda essa história cretina de 'Norte contra Sul'. E ainda essa natural má vontade que cerca todo escritor que vende livro, a ideia de que best-seller tem de ser necessariamente um livro inferior.
Com Lygia Fagundes Telles, em 1977, Clarice compartilhou que via a arte como uma busca. Num papo focado em "Seminário dos Ratos", livro de contos então recém-lançado, quis saber se a colega concordava com a ideia. Lygia respondeu:
Sim, a arte é uma busca e a marca constante dessa busca é a insatisfação. Na hora em que o artista botar a coroa de louros na cabeça e disser 'estou satisfeito', nessa hora mesmo ele morreu como artista. Ou já estava morto antes. É preciso pesquisar, se aventurar por novos caminhos, desconfiar da facilidade com que as palavras se oferecem.
Já a Nélida Piñon, em 1975, Clarice contou que se considerava uma amadora por só escrever quando tinha vontade, tanto que passou por um hiato de quase dez anos. Diferente da colega, uma "profissional no melhor sentido da palavra".
Nélida discordou de Clarice. Afirmou ver a autora de "A Paixão Segundo G.H." como uma extraordinária profissional que ainda não "adquiriu consciência do próprio estado". E continuou a refletir sobre seu trabalho:
Em princípio, todo escritor brasileiro é tratado como amador porque seu esforço operacional não se traduz em lucro. Invadem-lhe a consciência para que perca o orgulho, e jamais abandone o estágio adolescente que é próprio do amadorismo. Sou profissional, sim, Clarice. Luto por esta condição, e não abdico de tudo que isto implica.
Pesco esses momentos enquanto passeio por entrevistas que Clarice fez com uma série de grandes escritores. Tem ainda Vinicius de Moraes (duas vezes), Rubem Braga, Ferreira Gullar, Antonio Callado, Dinah Silveira de Queiroz, Jorge Amado, Fernando Sabino, Chico Buarque, Pablo Neruda...
Mas não só. Há conversas da escritora com gente importante de outras áreas. Djanira e Iberê Camargo, das artes plásticas. Elis Regina, Tom Jobim e Maysa, da música. João Saldanha e Zagalo, do futebol. Isso só citar mais alguns exemplos.
Estão em "Clarice Lispector Entrevista", livro que acaba de ganhar uma nova edição pela Rocco com 35 papos a mais do que a edição passada, publicada em 2007. Desta vez, são 83 conversas tocadas por Clarice e publicadas nas revistas Manchete e Fatos & Fotos e no livro "De Corpo Inteiro", que reuniu também material produzido para o Jornal do Brasil.
É um volume que abre com outra entrevista com escritor. Nelson Rodrigues insiste na ideia da solidão durante o papo que teve com Clarice em 1968. "É a solidão", responde ao ser perguntado sobre a coisa mais importante para um indivíduo. Por outro lado, julgava que o amor é o que há de mais importante para o mundo.
Juntando um ponto com outro, Nelson fala para Clarice do amor por Lúcia, sua esposa. "Você se referiu à solidão. Você se sente um homem só?", pergunta a escritora. E assim se sai o dramaturgo:
"Do ponto de vista amoroso, eu encontrei Lúcia. E é preciso especificar: a grande, a perfeita solidão exige uma companhia ideal". Por isso que, mais adiante, Nelson afirma não ter a vida pessoal atrapalhada pelo sucesso: "Não interfere justamente porque eu e Lúcia fundamos a nossa solidão".
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