Mortos e fantasmas no meio do deserto: é hora de ler Pedro Páramo
Abro um sorriso quando algum leitor me diz ter lido tal livro ou conhecido determinado autor por minha causa. Carrego a boa culpa de ter aproximado ou apresentado nomes como Roberto Bolaño, Samanta Schweblin, Ariana Harwicz e Murilo Rubião a um punhado de gente. Saber disso —e sei porque me contam— ajuda a confirmar que o trabalho tem seu sentido, cumpre seu propósito.
"Pedro Páramo", de Juan Rulfo, está entre esses nomaços que, de tanto martelar, convenci alguns leitores a darem uma olhada no livro. Há quem volte para me agradecer. Até hoje ninguém me xingou, não por isso.
A série de "Cem Anos de Solidão", baseada no clássico de Gabriel García Márquez, estreou na Netflix. "Ainda Estou Aqui", adaptação de uma obra de Marcelo Rubens Paiva, tem feito sucesso tremendo nos cinemas. E nessa leva de literatura inspirando o que vemos nas telas também está um novo filme baseado em "Pedro Páramo".
É a deixa para que eu repita o que falei ao escrever sobre "Cem Anos de Solidão". Sinto-me à vontade para ser taxativo com alguns raros livros porque é desperdício passar pela vida sem aproveitarmos essas maravilhas.
Tanto faz se assistirá ou não ao filme, mas leia "Pedro Páramo". E se já leu, releia. E se não foi adiante na sua primeira tentativa de leitura, tente de novo. Insista até conseguir. Se precisar de uma força, recomendo buscar pelo trabalho de Eliz Oliveira, pelo episódio do "30 Minutos" sobre a obra e por uma edição do podcast da Página Cinco a respeito de Rulfo.
"Vim a Comala porque me disseram que aqui vivia meu pai, um tal de Pedro Páramo", lemos na abertura do romance, aqui traduzido por Eric Nepomuceno em edição da José Olympio.
Daí em diante o leitor é levado para uma jornada na qual ficará confuso com as muitas vozes da história. São elas que aos poucos nos permitem compor o que foi Comala, lugar desértico e mais quente do que o inferno.
Quem está vivo? Quem está morto? Tô conseguindo entender o que se passa? Meu deus do céu, para onde essa história está indo? Acho que me perdi. São perturbações comuns a qualquer leitor nos primeiros contatos com o romance de Rulfo.
O conselho que posso dar é: siga em frente. Não será uma jornada tranquila, mas a recompensa para quem persiste pelas cento e poucas páginas é imensa.
Conforme um mosaico se constrói, passamos a compreender melhor quem foi o tal de Pedro Páramo, espécie de fazendeiro todo-poderoso que mandava, desmandava e barbarizava o seu povoado. Escrito sob os ecos da revolução mexicana, é um livro violento, marcado pela linguagem seca e por passagens fantásticas.
"Há vários livros dentro deste romance conciso e contido. Uma história de amor desmesurado, desesperado e belo; também uma história da injustiça; outra, de vingança; e mais um painel depurado e amargo da realidade social nos campos do México de uma época imprecisa e, por isso mesmo, permanente; e também a história de um filho à procura do pai; e a de um povoado habitado por mortos e fantasmas", enumera Eric no prefácio do volume que tenho em mãos.
Muitas vezes, "Pedro Páramo" é lembrado como o trabalho que mostrou para Gabo os caminhos que um romance poderia tomar. Junto de Kafka, ler Rulfo mudou a vida do colombiano e forjou sua literatura. É uma influência direta e reconhecida para "Cem Anos de Solidão". É muito mais do que isso, porém.
"Pedro Páramo" não deve ser lembrado apenas pelo que influenciou nem encarado como um ensaio para depois chegar em Gabo —o que, além do mais, seria um equívoco. O romance de Rulfo, autor de uma obra literária espetacular composta apenas de dois volumes, é imperdível por si só, um dos grandes livros da história, peça central da literatura latino-americana.
E não, ver o filme ou a série não substitui a leitura de um texto literário. Não sejamos toscos.
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