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Opinião

Brain rot: livros perdem mesmo espaço quando cérebros viram paçoca

Brain rot. Eis a palavra do ano segundo o dicionário Oxford, um dos mais prestigiados do mundo.

Brain rot é o termo usado para descrever cérebros transformados em paçoca esfarelada pelo excesso de bobagens consumidas na internet. Enquanto o dedo rola a tela de uma besteira para outra, o estado mental do sujeito é moído e o intelecto, esmigalhado.

É uma tendência em todo o mundo. Não por acaso, muita gente tem virado a cara para atividades com alguma complexidade, que exigem uma forcinha do cérebro para que possam ser feitas.

"Ter que pensar na hora do descanso? Estou Fora! Só quero ficar prostrado diante de alguma bobagem". É o que dizem. São pessoas que devem passar o dia em meio a debates intensos e profundos na ágora.

E aí tem uma outra questão que nos atormenta: o tempo cada vez mais escasso, seja pelo excesso de tarefas, seja pelas longas horas dedicadas ao consumo das bobagens que acabam por empaçocar o cérebro.

Até os não leitores sem ocupação, desempregados, alegam não ler por falta de tempo. Papaguear estar permanente ocupado, estressado, abarrotado chega a ser sinal de status para alguns grupos.

Mas também há verdade no cansaço, também há verdade na vida atribulada, nem tudo é mera repetição de um discurso padrão. Muitos usam como desculpa, mas a falta de tempo e a rotina massacrante de fato atormentam o dia a dia de outros tantos.

Como há muita verdade em constatar que vivemos num mundo que tende ao abobalhamento, que vira a cara para qualquer desafio, que gosta de se aconchegar em certa pasmaceira, certa mediocridade.

Penso nisso para voltar à nova edição da Retratos da Leitura no Brasil. Já escrevi sobre a pesquisa em outras ocasiões. O número de leitores no país despencou. A repulsa aos livros aumentou. O parâmetro usado para definir o que é um leitor beira o vale-tudo. Nas últimas semanas, muito foi dito e debatido.

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Me impressiona ver gente cravando que uma simples medida, seja ela qual for, seria capaz de transformar o Brasil num país de leitores. Quem dera houvesse solução quase mágica. O preço e o valor dos livros precisam ser discutidos (sim, como fatores distintos), o acesso aos livros precisa ser facilitado, há que se aprimorar a formação de leitores, é necessário olhar com mais carinho para as bibliotecas?

Tudo isso é verdade. Porém, de forma isolada, nada disso mudaria a nossa realidade - ainda que o aspecto da formação seja crucial; se não for bem-feito, compromete o restante. Uma mudança de cenário passa pelas políticas públicas focadas no setor e em ações que podem ser elaboradas pela sociedade.

E ainda assim será pouco. Também é necessário se preocupar com o que está bastante além do livro, além do mercado editorial, além de uma solução para semana que vem. Precisa fazer parte do pacote comprar brigas para mudar esse cotidiano de rotinas desumanas e a visão de que pensamento e esforço intelectual não combinam - ou pior, são inimigos - do descanso e da diversão.

Essa coisa de brain rot ajuda a explicar porque um livro aterroriza tanta gente. Também ajuda a explicar porque o buraco da leitura é cada vez maior. A pesquisa de 2024 apresenta números lamentáveis, mas não está tão ruim assim. Não se compararmos com a próxima, pelo menos. A não ser que mudanças grandes comecem a acontecer.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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