O mundo ainda precisa de Guns N' Roses?
Resumo da notícia
- Letras sexistas ou românticas demais
- Figurino de gosto duvidoso
- Guitarras entorpecida de anabolizante
- Já é socialmente aceito falar mal de Guns N' Roses, certo?
Até que enfim, posso dizer: eu DETESTO Guns N' Roses.
Ufa. Como é bom poder escrever isso. Exagerado o uso do "DETESTO" em letras garrafais acima? Talvez, mas isso não quer dizer que seja uma mentira. Não é um desprezo vazio e sem fundamento, aquele famoso ranço que a gente coleciona na web e adora destilar em tuítes engraçadinhos/sarcásticos. É algo profundo sobre um som já bastante gasto, cansativo e letras que representam uma sociedade que não é mais a nossa - ou melhor, uma sociedade da qual a nossa realidade tenta se distanciar a cada nova conquista.
Pra começo de conversa, estamos em 2020. E o GnR representa tudo aquilo que é conservador de um "rock" que respira com ajuda de aparelhos, com a validade já vencida. Spray no cabelo, roupas de gosto duvidoso, guitarras entorpecidas de anabolizantes, gritinhos agudos demais e discurso ora sexista que repete a problemática do patriarcado (como em "Used To Love Her"), ora tão açucarado que só de dar o play o nível de glicemia sobe a níveis perigosos para saúde. Duvida? Vamos a uma historinha famosa sobre William (sim, esse é o verdadeiro primeiro nome de Axl Rose) que você, ouvinte adorador de bandanas e coletes jeans, deve conhecer. E, se achar o desfecho "top", esse texto não será agradável.
Axl Rose levou uma moça, chamada Adriana Smith, então namorada/não-namorada de outro integrante da banda, o baterista Steven Adler, ao estúdio para transar com ela e gravar os gemidos do ato sexual e incluí-los na versão final de "Rocket Queen", do álbum de estreia do grupo, Appetite For Destruction (1987). Bom, o resultado está aqui:
Acontece que Adler surtou e Adriana revelou, anos depois, ter passado por um período pesado de abuso de drogas e álcool por conta de um sentimento de vergonha e culpa. Pesado, né?
Sim, Axl Rose é a versão do final dos anos 1980 do tiozão que ainda manda áudio com um gemidão no zap! Só que o fez em um disco em vez do aplicativo de troca de mensagens.
Agora, uma reflexão: o que diferencia fazer isso em "Rocket Queen" de quem participa de grupos de WhatsApp "da galera do futebol" no qual os participantes trocam vídeos e fotos de mulheres nuas ou em atos sexuais? Muitas dessas imagens, é bom lembrar, também compartilhadas nesses grupos sem a autorização das moças?
Pois é, senhor Axl.
Uma missão: ouvir a discografia completa em 1 dia
Voltemos ao Guns N' Roses como uma instituição musical falida. Embora existam qualidades, como a letra poderosa de "Civil War" ou a linha de baixo que dá sustentação ao já manjado solo de guitarra de Slash em "Sweet Child O'Mine", a maior parte das músicas tem tanta sacarose que só de pensar nelas eu arrepio de aflição como se alguém arranhasse um quadro negro de escola.
Ouvi uma última vez a discografia inteirinha da banda por uma última vez, do começo ao fim, para escrever esse texto e não ser injusto. Entendo o apelo do combo completo da banda, certo? Contagiado pelos gritos ensurdecedores de "Welcome to the Jungle" quase desci do apartamento para buscar uma bandana vermelha em um brechó próximo aqui no centro de São Paulo.
(Pensamento aleatório: onde é essa tal floresta, aliás, que "tem tudo o que eu preciso"? Aqui em casa precisamos urgentemente de detergente neutro e de um lugar para descartar pilhas alcalinas.)
O efeito dessa injeção na veia de "hétero cis" via fone de ouvido logo passou quando cheguei em "Paradise City", do mesmo álbum de estreia. Por que gritas tanto, Axl?
O último prego no caixão do rock farofa
Existem bandas que envelheceram bem, transformaram-se, aceitaram a idade e as mudanças do tempo. Outras que permanecem imutáveis e ainda funcionam. Algumas, contudo, dão a mesma sensação de abrir o armário do quarto que tinha quando era adolescente e, 15 anos depois, se deparar com roupas que eram do seu estilo, mas que hoje são cafonas e um pouco embaraçosas.
É esse o caso do Guns N' Roses em uma audição atenta em 2020. Em vez de apontar para o futuro, a banda de Axl Rose e companhia repetiram fórmulas já gastas dessa fusão do hard rock com toques de couro do heavy metal e fecharam a porteira de um gênero musical que só volta hoje se for para fazer uma ponta como zumbi em The Walking Dead.
Acima, sou eu perseguido pelo "fantasma do hard rock" ao longo da carreira de jornalista de música.
Eles faziam tipos de "machões desordeiros", tinham abdômens definidos, Axl era um símbolo sexual e fazia muita gente delirar com os shorts tão curtos quanto àqueles usados por Carla Peres, outra personalidade de cabelos loiros destaque dos anos 1990.
O Guns N' Roses fez o rock farofa ser cool de novo, depois de definhar durante os anos 80, mas não soube sobreviver à própria década, muito menos apontar para os anos seguintes.
O Guns N' Roses parou no tempo
Enquanto outros integrantes do grupo como Slash e o baixista Duff McKagan deixaram a banda para seguir com novos projetos (e manter distância de Axl Rose), o vocalista seguiu como pode. Levou 15 anos para soltar o último álbum Chinese Democracy (ótima ironia do título, aliás), um dos discos que mais demoraram a ser feitos na história do rock, lançado no longínquo ano de 2008.
Sejamos francos, nem o mais fiel seguidor da banda vai dizer que o tempo de espera realmente valeu a pena logo após a primeira audição.
E olha que eu acho a música "Better", que abre o álbum, revolucionária e deliciosamente estranha se comparada com o restante do cancioneiro do grupo.
Tratar a guitarra como uma extensão do próprio órgão sexual em longos solos masturbatórios acompanhados de caretas também deixou de ser inovador e hoje é só cansativo mesmo.
Volta caça-níquel
Ao longo da existência, o grupo passou pelo Brasil para de 29 shows - somos o 4º país com mais shows da história do Guns N' Roses, de acordo com a contagem do site Setlist.fm - e se o Lollapalooza 2020 não tivesse sido cancelado/adiado, teríamos mais apresentações por aqui. Deixe de lado o fato de ser um fã de carteirinha, um Guns-N'-Roses-maníaco, e pense em qual realmente foi histórico.
Meu bigode hipster até arrepia de terror ao lembrar da passagem do grupo pelo Rock in Rio 2011 com aquela tempestade, palco alagado, a capa de chuva amarela de Axl no estilo do desenho do Pica-Pau, e o atraso interminável. Dia desses, o Facebook me lembrou de uma foto tirada na saída daquele dia do festival carioca com fotógrafos do jornal no qual trabalhava. Já era dia e estávamos, enfim, encerrando o trampo.
Claro, a volta dos já citados Slash e Duff, foi importante, mas tem mais a ver com um cheque polpudo no bolso do que um impulso artístico. Eu também voltaria ao meu primeiro emprego, o qual sei fazer do início ao fim sem muito esforço, se isso significasse bons milhares de dólares na minha conta.
Sexo, drogas e rock and roll? Mesmo?
A última gota de suor de um rock que viveu dias de glória na base da testosterona, da objetificação feminina, de polêmicas e exageros guitarrísticos, tinha no discurso e na imagem a tríade do "sexo, drogas e rock and roll" como a melhor coisa do mundo. Calma lá, né? Você já experimentou a tríade "bife à parmigiana, arroz soltinho e batata frita na hora"? Isso, sim, é perfeição.
Rival de Kurt Cobain?
Houve, numa época nos anos 90, em que era preciso escolher entre ser fã de Nirvana ou de Guns N' Roses. Antes da guerra dos fandoms de Anitta e Ludmilla no Twitter, a briga era nas salas de aula ou no horário do recreio entre jovens aspirantes a roqueiros de meia-idade. Havia o time Kurt Cobain e o time Axl Rose.
Os dois astros do rock não se bicavam, trocaram farpas e alfinetadas e, numa briga, eu preferia estar do lado de Kurt Cobain na história, e você?
O fim da heteronormatividade do rock
O Guns N' Roses da formação dos discos aos quais você ouve era clichê de uma indústria da música extremamente branca, cis, heteronormativa. Milhares de bandas queridas são assim, eu sei, mas esse é só mais um ponto de destaque.
São, também, símbolos de outra era da indústria da música, quando dinheiro não era problema, quando roqueiros eram jovens deuses e não homens de meia-idade com gosto por conservadorismo político e musical.
O rock não morreu, certo? Ele só precisa deixar de ser tão conservador a ponto de manter um status quo que não existe mais. O zeitgeist é outro. O rock nasceu de um ambiente de inovação, revolta e cresceu com a apropriação cultural da arte preta pelos brancos (triste, mas é verdade). O que o Guns N' Roses acrescenta nisso? Em nada. Desapeguem de "Sweet Child O' Mine", pessoal, e vamos ser felizes.
A versão "do bem" de Axl
Teria Axl Rose um irmão gêmeo? Tipo Raquel (a gêmea má) e Ruth (a gêmea boa), ambas interpretadas por Gloria Pires na novela Mulheres de Areia?
O músico, que é tão conhecido pelas entrevistas entediadas, atrasos, cancelamentos e pose de rockstar inabalável (veja o episódio do Oi, Sumido, no qual Liv Brandão e Roberto Sadowiski conversam com ex-VJs da MTV sobre a passagem de Axl pelo Brasil), também tem um bom coração.
Ele já demonstrou carinho por Alcione, a nossa incrível Marrom, que falou ser fã dele também. A dupla já tirou fotos junta e a internet acha que eles são amigos próximos (mas não é bem assim, como você pode ler aqui). Aliás, dia desses li uma fanfic sobre um amor tórrido e escaldante entre Axl e Alcione.
Axl também pediu pela saída de Donald Trump da Casa Branca, neste tuíte aqui:
Ou seja, Axl não é a pior pessoa do mundo (como sabemos, existem piores em altos cargos políticos aqui no Brasil, por exemplo).
Vamos à conclusão?
Esse é meu primeiro texto como colunista do UOL (sim, é chique, eu sei) e, justamente por isso, queria colocar para fora esse sentimento que não cabia mais em mim. Foram 10 anos escrevendo de música para outras publicações (Estadão, Rolling Stone Brasil e por aí vai). Logo, representava marcas, e é um terreno complicado expressar tal opinião e ferir imagens valiosas e tal.
Mas, aqui, terei um gerado automaticamente ao final de cada texto da coluna o aviso: "Esse texto não reflete necessariamente as opiniões do UOL". E, não reflete, mesmo, tá? É só a minha opinião a respeito de uma banda que representa o pior do rock: sexismo ou amor romântico demais, fórmulas repetidas à exaustão e um som que cheira a desodorante vencido.
Alguém vai dizer: "Mas e o AC/DC?" Já que rola a piada de que eles parecem repetir o mesmo disco a cada novo lançamento? Pra falar a verdade, não gosto também (minha cachorrinha Torrada até comeu um disco de vinil deles certa vez e nem liguei muito) e até tenho argumentos para trazer aqui.
Só que esse é um papo para outra coluna. Prefiro ser atacado por um fã-clube por vez. É só a minha estreia ainda, sabe? E como diria meu amigo Axl: "welcome to the jungle".
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