Maradona além do tango: genialidade e tragédia do mais humano dos deuses
Sozinho, a bola nos pés. Camisa azul e branca, alviceleste. Passou por um, driblou outro. Ficaram para trás, na sequência, cinco jogadores ingleses: Hoddle, Reid, Sansom, Butcher e Fenwick caíram diante da genialidade de passadar curtas e rápidas. Depois, veio o goleiro Peter Shilton, um dos melhores de todos os tempos da seleção inglesa, também derrotado.
Maradona, imparável, foi autor do gol do século passado naquele 22 de junho de 1986.
O mesmo que, quatro minutos antes, havia protagonizado o possivelmente gol mais polêmico da história das Copas do Mundo, quando descaradamente empurrou com a mão uma bola para o fundo das redes do gol defendido pelo goleiro inglês.
Genialidade e malandragem, em estado mais puro. O melhor jogador do mundo daquele ano (e, para os argentinos, o melhor da história) não era santo. Também não era bad boy. Era humano.
Há pouco mais de 30 anos, Maradona mostrou que nem tudo precisava ser tão maniqueísta, tão preto ou branco. Mostrou as nuances. Do gol de mão ao gol do século existiram cerca de 320 segundos diferença entre um e outro. Ou seja, praticamente nada.
Guerra das Maldivas
Ainda havia um caráter político/bélico envolvido naquela partida das quartas de final da Copa do Mundo de 1986.
Quatro anos antes, Argentina e o Reino Unido entraram em guerra pelo controle do arquipélago. Foi um confronto curto, de abril a junho de 1982. Os britânicos levaram a melhor.
Foram mortos 649 soldados argentinos naquela disputa.
A primeira-ministra britânica Margaret Thatcher venceu a guerra e as eleições no ano seguinte. Aos argentinos, restou o luto por aqueles que haviam morrido.
Maradona, no torneio de seleções de futebol realizado no México, vingou-se como sabia. Gênio, malandro. Herói nacional.
O clichê do tango
Você pode colocar qualquer tango para tocar enquanto lê a respeito de Diego Armando Maradona. Vida, obra, tropeços, golaços. É clichê, mas faz todo sentido.
Porque Maradona era o tango em forma humana. Dê um play aqui em um dos meus temas favoritos de Astor Piazzolla, compositor argentino de Mar Del Plata, para acompanhar o texto, se quiser:
Em segundos, você entende o clichê. E até gosta dele.
Maradona era o tango. Mas era mais também.
O problema é romantizar a dor com isso. Também não é essa a ideia. Não era fácil ser Maradona e carregar, em cima dos ombros, o peso e a obrigação da perfeição e da genialidade.
Maradona não era perfeito, nem precisava ser. Fumava, bebia, foi pego pelo uso de cocaína enquanto jogava futebol profissional. Tentou ser técnico, mas nunca foi brilhante fora das quatro linhas.
Maradona não precisava ser uma coisa ou outra, mas exigiram que fosse tudo. E caíram sobre ele com críticas e manchetes a cada nova derrota ou perda, a cada vez que foi ao chão.
Mais que o tango: inspiração em Shakespeare e mais
Artista francês, Mano Chao se encontrou com Maradona para criar "La Vida Tómbola", uma trágica música presente no documentário "Maradona", do cineasta sérvio Emir Kusturica, apresentado em Cannes em 2008.
Chao já tinha escrito uma canção sobre o ídolo argentino, uma música chamada "Santa Maradona", com o ex-grupo Mano Negra.
Mano Chao se colocou no lugar de Maradona. Um exercício bom de se fazer, também.
O que você faria se fosse Maradona?
"Concluí que provavelmente eu viveria como ele. Aceitando o destino, vivendo 100% no seu momento presente. É assim que talvez eu agiria"
Mano Chao, na época
Assim nasceu "La Vida Tombola", música lançada pelo álbum "La Radiolina" lançado em 2007. "A vida é uma loteria", canta Mano Chao.
Maradona jogou nessa loteria a vida toda. De noite e de dia, como canta Mano Chao. Às vezes ganhou, às vezes perdeu.
Sem ninguém para defendê-lo e protegê-lo, Maradona levou todas as porradas de guarda abaixada, quase como uma provocação.
Foi-se, aos 60 anos, o mais humano entre os deuses do futebol.
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