Roupa Nova é fenômeno do repeat e seria rei do pop se não fosse a pirataria
Sem tempo?
- Quem não tem uma história ou memória com o Roupa Nova?
- A banda tem uma característica curiosa: quem curte, ouve o disco físico no looping, sem parar
- Se isso se traduzisse em plays em Spotify e plataformas digitais, o Roupa Nova seria um dos maiores artistas do País
Todo domingo, ele fazia tudo sempre igual.
Acordava logo cedo para preparar o café da manhã da família.
Pontualmente às 9h, ligava o DVD player. Nem se preocupava em trocar o disco que estava ali.
As vozes de Paulinho e dos outros vocalistas do Roupa Nova conseguiam encontrar um jeito de entrar em qualquer um dos cantos da casa. Os filhos desciam pelas escadas emburrados pelo despertar, é claro, mas aquilo tudo já era uma tradição familiar.
Pelo menos até a hora do almoço, Roupa Nova tocava ali sem parar, no repeat.
A cena descrita acima, verídica, acontecia em um tempo pré-streaming e números de plays, views e etc, tão dominantes atualmente para determinar para o mercado qual é o tamanho do sucesso de cada artista.
Possivelmente, o DVD usado na época nem sequer era oficial e a venda não contou para os números sempre gigantes do Roupa Nova, com os bem mais de 20 milhões de discos vendidos.
A morte de Paulinho, um dos vocalistas do grupo, aos 68 anos, na noite de ontem (14), me trouxe a lembrança de volta.
Assim como deve ter acontecido com você, leitor. Afinal….
Quem não tem alguma história ou memória ao sabor das músicas do Roupa Nova?
Ninguém aqui duvida (espero eu) da enormidade do Roupa Nova na história da música popular brasileira, desde os anos 1980.
Poucos na história souberam usar tão bem do soft rock a seu favor no País.
Com letras mergulhadas em uma calda de caramelo e temperadas por confeitos de chocolate, Roupa Nova sempre foi um perigo para ouvidos diabéticos.
Brincadeiras à parte, essa característica marcou o grupo ao longo desses 40 anos de trajetória - uma jornada, entre erros e acertos, de bastante sucesso. Foi a combinação dessa doçura toda, com vozes ecoadas e os teclados em primeiro plano que fez do grupo a cara da música popular dos anos 1980 e 1990.
Isso, é claro, além da projeção dada pelas trilhas sonoras das novelas de sucesso da TV Globo.
Na novela "Um Sonho a Mais", de 1985, por exemplo, "Whisky a Go-Go" era tocada na abertura e ainda tinha "Chuva de Prata", com Gal Costa, como tema da personagem de Maitê Proença.
Já em "Roque Santeiro", talvez a mais importante e marcante novela daquela década, tinha o hit "Dona" a acompanhar as cenas da preciosa Porcina, interpretada por Regina Duarte.
Ao todo, Roupa Nova foi escolhida para ser tema de abertura de cinco novelas da Globo. E isso transforma a carreira de qualquer banda ou artista.
Gostos mudam? Será?
O início do período do isolamento social e da pandemia do coronavírus mostrou uma mudança no comportamento das pessoas que usam as plataformas de streaming. Pelo menos no início das recomendações de "ficar em casa", quando as pessoas realmente estavam respeitando essa ideia, o número de plays de artistas com sucessos no passado cresceu.
Era o que os especialistas chamavam de "som de conforto", tipo a "comida de conforto" que buscamos quando a gente leva um pé na bunda, sabe? Sorvete, brownie, pipoca, o que for.
Na música isso também aconteceu. O que prova que alguns gostos mudam, a gente descobre novos sons o tempo todo, mas na hora do aperto, recorremos ao que é confortável e que já conhecemos. E, aí, o Roupa Nova brilhou.
Não é por acaso que as lives da banda, disponíveis no YouTube, possuem mais de 1 milhão de visualizações e repercutiram nas redes na época.
Quantas bandas de 40 anos de estrada seguem criando canções?
Claro, o Roupa Nova também se transformou e tentou se adaptar aos novos tempos. Um dos vídeos mais assistidos no canal de YouTube oficial (além das já citadas lives) é o single "Amor Sob Medida", com a participação de Luan Santana, lançado em 2019.
Ainda que não fosse um rompimento brusco, era interessante ver que, aos 39 anos de existência, grupo lançava um álbum de músicas inéditas, de nome "As Novas do Roupa".
Números de streaming não dizem tudo
O grupo tem números bem sustentados em plataformas como Spotify, por exemplo. Ali, por exemplo, a versão original de "Whisky a Go-Go" beira os 20 milhões de audições, seguida de perto por "Dona" e os 13 milhões de plays.
Se não é suficiente para competir com artistas atualmente devoradores de plays, tipo Barões da Pisadinha, é um desempenho maior do que grande parte dos artistas da geração dos anos 1980 que são relacionados com o Roupa Nova na própria plataforma, de Renato Russo a Paulo Ricardo.
Poderia ser muito melhor e maior
O ponto é que o Roupa Nova é um artista de discos físicos ouvidos "no repeat", principalmente os álbuns ao vivo, pela qualidade dos registros, principalmente das vozes, sempre impecáveis.
E além de terem essa característica já interessante, é também uma banda de gente que "fura" os CDs e DVDs de tanto que escuta. É uma característica única na música nacional (talvez só superada por Simone quando chega o fim de ano).
Quem curte e tem um CD/DVD do Roupa Nova, ouve até não sobrar mais nada, seja no carro, seja em casa num domingo de manhã. É uma conexão mágica, memso.
A chegada dos anos 2000, da pirataria e da música digital fez um estrago na indústria e, claro, na banda também. Nos camelôs, eu lembro bem, algum disco ao vivo do Roupa Nova estava sempre à vista para chamar os clientes.
Não fosse a pirataria e se o looping das audições dos discos físicos se traduzisse em streamings, onde estaria o Roupa Nova?
Para mim, estaria brigando pau a pau com esses grandalhões da música pop nacional que vivem se gabado dos milhões de plays nas plataformas.
Afinal, todo mundo tem uma história ao som do Roupa Nova.
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