'Feliz 2001', Caetano Veloso e que você faria se voltasse no tempo?
Sem tempo?
- Caetano Veloso fez uma linda live na noite de ontem (19)
- Em voz e violão, ele segurou praticamente sozinho um show de quase duas horas - teve a companhia de cada um dos filhos em uma música
- Ao final da transmissão, Caetano desejou: "Feliz 2001"?
- Foi um erro? Teria sido um grito político? O que Caetano quis dizer com "feliz 2001"?
- A web, claro, surtou. Ataque político para tudo o que foi lado, memes e tudo mais.
- Eu, mesmo, fiquei sem dormir com a possibilidade de voltar no tempo e viver aquele 2001 de novo.
2021 nos olha à espreita. Escondido nas sombras, tem intenções duvidosas.
Depois de um 2020 tão nebuloso, sombrio e inquietante, é difícil prever qualquer parte do que será o próximo ano.
Nem o maior dos pessimistas diria, nos primeimros minutos de 1º de janeiro de 2020 que o mundo chegaria ao estado de agora, enquanto escrevo este texto, neste 20 de dezembro, à beira do inquietante 2021.
Nem mesmo o tio Cléber, eleito por mim como "o maior dos pessimistas" teria capacidade de prever esse 2020. E olhe que ele insistia em dizer "o ano que vem vai ser pior" em toda festa de fim de ano de família quando nos reuníamos no litoral, algo que não acontece há algum tempo. Era a mesma coisa: todos vestidos de roupas brancas, distribuindo sorrisos sujos de salpicão de frango e brindes com taças de (provavelmente, não tinha idade para beber) cidra para brindes e desejos de um ano melhor.
Quem realmente diria que viveríamos uma pandemia mundial, que o carnaval de 2021 seria cancelado, que não teríamos shows, a crise econômica chegaria a níveis catastróficos e que até o mais antissocial sentiria saudade de uma algomeraçãozinha.
Aliás, faz tempo que tio Cléber não faz alguma interação no grupo de WhatsApp da família. Talvez, diante do pessimismo presente, o pessimismo futuro parece não fazer sentido. Possivelmente, ele não saiba que escrever ali, já que até o time dele, o Santos, está conquistando vitórias inexplicáveis apesar das catástrofes que acometeram o time da Baixada Santista.
E a live de Caetano Veloso?
Chegamos à live que Caetano Veloso realizou ontem (19), de nome "Vai ter Natal". O que ela tem a ver com o tio Cléber? Vamos por partes.
A começar pelo fato de que, no Natal de 2019, também ninguém preveria que, no ano seguinte, Caetano Veloso faria um show virtual (a gente mal sabia o que era uma live naquela época, certo?) e que seria assistido por mais de 100 mil pessoas simultaneamente. Tio Cléber, cético que é, diria que essa coisa de "show virtual nunca vai dar certo".
Aliás, por falar em 2019, aquele foi o ano em que não tivemos o especial de fim de ano do Roberto Carlos, exibido até então de forma quase religiosa na programação da TV Globo. No ano passado, ficou o buraco. Talvez, tudo tenha desandado por conta do fim desta tradição.
Bom, neste 2020 inexplicável, contudo, tivemos Caetano.
Caetano Veloso é o Brasil em seu estado puro e mais bonito. As mãos de 78 anos são trêmulas ao violão, a voz é rouca ao falar, mas belíssima no cantar. Um pai que não quer desgrudar dos filhos. Que fala sobre cada um deles (do mais velho para o mais novo: Moreno, Zeca e Tom) com um amor que enche os olhos e esquenta o coração. É tanto amor. Transborda até. Se pudesse, ele diz, a turnê com os filhos "duraria para sempre".
Um Caetano na beira dos 80 anos que, cinquenta anos atrás, gritou contra a ditadura e foi exilado - de lá criou o histórico disco "Transa". Aliás, um Caetano dos históricos discos. Dos hits radiofônicos, das poesias de complexidade ímpar e, ao mesmo tempo, assobiáveis como poucas.
Caetano de "Leãozinho", um pedido das crianças para live, e de "Reconvexo", cantada ao lado do filho Moreno, que empunhava o prato e faca.
Caetano segurou uma live de quase duas horas na voz e violão com primor. Cada um dos três filhos apareceu para uma música e foi devidamente lambido pelo leão-pai.
Em homenagem à Benjamin, o mais novo dos netos, cria do mais novo dos filhos, cantou a única inédita da noite "Auto Acalanto", uma homenagem ao fato do bebê se acalantar sozinho, aos sete meses de idade.
Apesar de ter a formalidade de um teatro (a live foi transmitida do Teatro Claro, em um shopping em Copacabana, no Rio), de Caetano manter as madeixas branquíssimas completamente penteadas, havia uma certa coloquialidade ali.
Era quase como se Caetano estivesse em casa (embora esse tenha sido o tema da outra live de Cae, transmitida com exclusividade pelo Globoplay), mas, de alguma forma, ele estava em casa. Na nossa, no caso.
Na live, Caetano foi político, também, enquanto reverberou ter detestado o Natal por tanto tempo, ao citar a canção de Assis Valente, "Anoiteceu", e expôs a desigualdade no Brasil e nos Estados Unidos. E cantou "Gente", uma ode à humanidade: "Gente é pra brilhar, não morrer de fome". Cantou "Terra", em uma interpretação de fazer chorar.
Caetano, por fim, encerrou uma das mais bonitas entre as tantas lives bonitas de 2020 com um anúncio: "Feliz 2001". Em vez de desejar um bom 2021, Caetano nos mandou 20 anos no passado.
Não percebeu a confusão (será que foi uma confusão?) e assim se foi, acompanhado dos três filhos que voltaram ao palco para acompanhar o leão-pai nesta despedida.
Voltamos para 2001?
O Twitter, que é o ambiente virtual no qual erros, atos falhos e qualquer discordância tomam proporções gigantescas, fez de "Feliz 2001" um meme e um dos assuntos mais comentados na rede social.
Houve quem brincasse, quem sacaneasse, quem criasse uma interpretação política para a frase, dizendo que, caso voltássemos no tempo, em um ano, viveríamos novamente as eleições de 2002, vencida por Luiz Inácio Lula da Silva.
A gente era feliz e não sabia?
O pessoal foi longe na treta política, obviamente:
É a única solução?
"Não sou capaz de opinar"
Você não entendeu? Tudo bem, também.
Foi erro ou foi proposital?
Jamais saberemos.
2001, de fato, um grande ano fashion:
Achei grosseiro:
Porque, confesso, não entendi até agora.
Mas o que você faria?
Propositalmente ou não, Caetano Veloso mandou a gente de volta para o início do século. Apagou 20 anos de história. E isso é interessante, não é?
Confesso, quase não consegui dormir com essas possibilidades todas na cabeça.
E se não existisse coronavírus, e se não tivesse o golpe que alguns chamam de impeachment, e se o Brasil não tivesse perdido a Copa do Mundo de 2006 apesar daquele timaço? Como seria um futebol brasileiro sem vivenciar o doloroso 7 a 1 na Copa de 2014? Quem seria o presidente atualmente se soubéssemos os erros que nos trouxeram para desastre político que aí está?
Na música, teríamos vivido o boom de "Whenever, Wherever", de Shakira, do KLB com "Minha Timinez", Ana Carolina bombava nas rádios com "Quem de Nós Dois", o The Calling ainda era minimamente popular (com a melosa "Wherever You Will Go"), "Carla", do LS Jack não seria só um hit grudento de karaokê.
Aliás, quais seriam os hits dos karaokês se a gente se evitasse alguns desastres musicais?
O ano de 2001 teria também o Rock in Rio, com Britney Spears e Iron Maiden gravando um show histórico - e o Red Hot Chili Peppers com John Frusciante na guitarra.
O que você faria de diferente se voltasse para 2001?
Não precisa dizer em voz alta, só pensar.
Eu daria um abraço no tio Cléber.
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