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Pedro Antunes

O dia em que Dave Grohl não queria ser o cara mais legal do rock

Em participação especial, Dave Grohl cantou ao lado de Elmo e Garibaldo, personagens de Vila Sésamo - Reprodução/YouTube
Em participação especial, Dave Grohl cantou ao lado de Elmo e Garibaldo, personagens de Vila Sésamo Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

14/01/2021 12h30

Sem tempo?

  • Hoje (14) é o aniversário de 52 anos de Dave Grohl, então quis retomar uma história.
  • "Ele é o cara mais legal do rock", disse um antigo editor meu, animado com a entrevista que eu faria com ele no final de 2014.
  • Aqui, eu conto os bastidores de entrevistar o cara 'mais legal do rock'...
  • Em um dia em que ele não estava a fim de papo

"Que sorte, cara! Você vai ver, o Dave Grohl é o cara mais legal do rock", disse Pablo Miyazawa, jornalista, antigo editor-chefe da Rolling Stone Brasil e com outras aventuras profissionais desde então, quando soube que eu entrevistaria o líder do Foo Fighters para a capa da edição de janeiro da Rolling Stone de 2015.

Ele próprio tinha a experiência de conversar com Dave Grohl por telefone (e depois pessoalmente), nas vésperas da apresentação do grupo no Lollapalooza 2012, a primeira edição paulistana do festival e a volta do grupo às terras brasileiras depois de 11 anos de distância (a última performance havia sido no Rock in Rio 2001, veja só).

Bloquinho com o rascunho das perguntas em mãos, gravador de voz do celular a postos, disquei o número que faria a conexão com Dave Grohl.

Antes de chegarmos ao "hello" inicial, é importante explicar uma coisa sobre a longa cerimônia que é fazer uma entrevista com um artista do tamanho de Dave Grohl. Isso quando eles estão dispostos a dar essas entrevistas, é claro.

Às vezes, podem ser dois meses de preparação em uma dança de troca de e-mails com a ideia da pauta. É preciso explicar tintim por tintim quais são as intenções da pauta (há quem peça para ler as perguntas com antecedência, mas isso me parece estranho demais e nunca topo), espaço previsto, entre outras coisas.

Até porque, na maior parte das vezes, essas turnês com shows em estádios, como aquelas que o Foo Fighters passou a fazer, costumeiramente têm ingressos esgotados por aqui em questão de horas. Não existe a necessidade "divulgar o show", com uma entrevista em um site, revista ou jornal, do ponto de vista do artista e do contratante, já que os ingressos se venderiam automaticamente.

Aliás, é por isso que cada vez menos você vê entrevistas destes artistas do tipo "que lotam estádios" quando passam pelo Brasil. A não ser, é claro, quando existe um novo álbum na jogada e a gravadora multinacional tenha interesse em divulgá-lo para o público brasileiro.

Então, quando rola uma "agenda de entrevistas", é possível que o artista faça uma sequência delas, encaixotadas em slots de no máximo 15 minutos, com jornalistas de diferentes nacionalidades por vez. É um esquema quase fordista de produção de conteúdo.

Nesses casos, os artistas ficam ao telefone ao longo de duas, três horas, respondendo basicamente às perguntas preliminares de jornalistas de diferentes sotaques. Afinal não há muito tempo para temas mais profundos em 10 minutos (no máximo, 15 minutos), já que você (o jornalista da vez) ainda precisa de um par de "aspas tradicionais" que citam determinado show ou álbum, antes de seguir para outras coisas mais fora da caixinha.

Sabe quando comentaristas de futebol e jornalistas de esporte das antigas dizem que, na época deles, décadas atrás, era mais fácil entrevistar os maiores jogadores dos clubes? Bastava ir ao treino, chamar o fulano e pronto. E, hoje, tudo passa por assessor de imprensa do clube, assessor de imprensa pessoal do jogador, pela equipe de relações públicas, etc.

É a mesma coisa com astros da música.

Portanto, quando liguei para o número de uma moça da gravadora que faria a conexão com o escritório onde Dave Grohl estaria, em Los Angeles, naquela quarta-feira, 29 de outubro de 2014, muita água tinha passado por baixo da ponte.

Se a Rolling Stone Brasil teve pelo menos meia hora com Dave Grohl em 2012, para uma também matéria de capa, dois anos depois, ele daria no máximo 15 minutos (um spoiler, foram pouco menos de 12 minutos, encerrados de forma apressada).

Dave Grohl era, na ocasião, o cara mais ocupado do rock, como percebi depois.

Doze dias depois da data da entrevista, em 10 de novembro de 2014, seria lançado o mediano (sendo bastante condescendente) álbum "Sonic Highways". Quando falamos, Grohl e eu, a série documental de oito episódios com o mesmo nome do disco estava em exibição semanalmente na HBO.

E tinha uma turnê em andamento, também. Dave Grohl estava em Los Angeles, onde mora, em um intervalo de shows em um festival em Las Vegas, no dia 26 de outubro, e uma apresentação em um auditório em Nashville.

Portanto, no primeiro "yeah" exausto que ouvi do outro lado da linha do cara que é conhecido pelos berros de "yeah" entre músicas já gritadas "The Pretender" e "Walk" percebi que teria problemas.

E problemas não faltavam, já que teria que me virar para entregar uma matéria de capa com 15 minutos de entrevista. E caso o artista em questão não estivesse em um bom dia, aí a tarefa ficava mais espinhosa. E acredite quando eu digo: é bastante possível que esses nomes gigantes da música não estejam tão animados assim em falar com você e seja sua função tentar reverter essa situação enquanto corre contra o relógio.

Por isso, enquanto elaborava as perguntas sozinho em uma sala, com o rosto colado no microfone do telefone no viva-voz, pensava em planos B, C, D, E, F, caso aquela entrevista não rendesse o suficiente para um texto costumeiramente gigante das matérias de capa das antigas edições impressas da Rolling Stone Brasil.

A título de curiosidade, este texto que você está lendo até este ponto 5,2 mil caracteres com espaçamento - e já é bem grandinho. Uma matéria de capa poderia ter pelo menos cinco vezes esse número para render, embora isso variasse bastante de acordo com o tema, a quantidade de textos complementares, fotos, etc.

Depois de certo tempo fazendo essas entrevistas gélidas com músicos gringos por telefone, você até aprende algumas técnicas para esquentar um pouco as coisas e criar uma conexão com esse artista que possivelmente mais interessado com o que está vendo pela janela do quarto de hotel do que com a conversa.

Cordialidade, educação, elogios (às vezes exagerados, mas sem puxa-saquismo), partilhar alguma experiência própria ou uma interpretação a respeito de uma música, geralmente deixam a pessoa do outro lado da linha mais confortável e, por vezes, até disposta a trocar experiências além das respostas padrão.

E, veja bem, já ouvi de Iggy Pop que ele "odeia jornalistas e detesta entrevistas" no início de um papo por telefone que acabou durando três vezes mais que o combinado e finalizado com um entusiasmado "thank you". Já fiz perguntas difíceis para Roger Waters frente a frente e me safei sem levar um murro. Falei sobre Oasis com Noel Gallagher e ele não desligou o telefone na minha cara. Slash idem, sobre Axl e Guns N' Roses. Até Ozzy Osbourne encerrou uma entrevista comigo contente por falar coisas fora da caixinha no papo (pelo menos, foi o que eu entendi entre os murmúrios dele ao telefone).

Mas voltemos a Dave Grohl. Tentei puxar temas históricos, como quando ele e a banda recém-formada se apresentaram no programa do apresentador norte-americano David Letterman, 20 anos antes, já que o Foo Fighters havia passado pelo show programa na época da entrevista. "É tudo uma grande bagunça de memórias", ele explicou, sem ir muito além disso. "Sabe quando você tenta se lembrar da escola primária, mas pouca coisa aparece na memória? Você sabe que foi ótimo, mas só isso."

Todas as ideias de me aprofundar nas memórias sobre o início do Foo Fighters (nos dois primeiros álbuns, "Foo Fighters" e "The Colour and the Shape", de 1995 e 1997, respectivamente) deram errado. E eram questões que poderiam render bastante, já que em 2015 (quando a matéria fosse publicada), o grupo celebrava 20 anos da estreia.

Tentei a cartada do "cara mais legal do rock", então, para fazer uma conexão entre as capas da Rolling Stone.

"Não sou o cara mais legal do rock", ele interrompeu-me, rindo, ao se dizer absolutamente sortudo, o que é um pouco genérico demais. A ideia era aprofundar na personalidade de Dave fora das entrevistas e dos estúdios, entender quem realmente era o cara conhecido por ser o mais legal do rock e tudo mais e a pressão de ser assim o tempo todo. Deu errado também.

Aéreo, Grohl respondia politicamente e sempre gentilmente às questões, mas soava apressado, como se quisesse o fim daquele compromisso o mais rápido possível. Pouco depois, descobriria que era isso, mesmo.

Fui ficando tenso, é óbvio, porque tinha pouquíssimo em mãos ainda.

Por volta dos 10 minutos de entrevista, a pessoa que fez a conexão entre mim e Dave avisou que teríamos somente mais dois minutos de papo.

Corri os olhos pelo meu bloquinho com outras ideias de perguntas, lembro de sentir um calor inexplicável, como se o ar condicionado da sala vazia não estivesse ligado. E estava.

Puxei uma fala recente de Grohl, então, na qual ele elaborava sobre ter aprendido a fazer música com Kurt Cobain, líder do Nirvana, e ele deu uma resposta ótima sobre como "era uma criança quando me juntei ao Nirvana". "Aprendi a sobreviver, aprendi a tocar, a escrever. Aprendi muito", ele disse. Um acerto. "Ótimo", pensei. Tinha mais alguns minutos, torci, para virar o jogo.

Citei "Everlong", a música mais tocada na história dos shows do Foo Fighters (e dona deste posto até hoje), e ele disse rapidamente se tratar de uma despedida dos shows, geralmente. Quando tentei emendar uma sequência sobre os bastidores da criação daquela faixa, lançada em 1997, fui duplamente interrompido.

Tipo o último golpe antes do nocaute, sabe? Foi isso. As minhas costas, tensas e curvadas sobre a mesa para ouvir o que ele dizia em uma conexão falhada, desistiram. Joguei-me para trás, no encosto, derrotado.

A voz feminina me chamou pelo nome, como um aviso, e Dave Grohl disse, quase sem respirar para evitar qualquer interrupção: "Sabe de uma coisa, eu preciso ir, tenho que buscar minhas filhas na escola. Hoje está marcada uma reunião com o professor delas. Estaremos aí [no Brasil] em breve. Obrigado."

Agradeci também, mas acho que ele já estava fora da conexão.

Existem dias e dias, não é? Há aqueles nos quais as pessoas são as mais legais do mundo, noutros em que são as mais ocupadas ou apressadas. Faz parte desse jogo que é o jornalismo musical.

Como hoje (14) é aniversário de 52 anos de Dave Grohl, resgatei essa história porque é provável que você veja, na web, listas e matérias com curiosidades que comprovam que Dave é o cara mais legal de todos. E talvez seja, mas não todos os dias. Ninguém é, suponho.

Para mim, Dave Grohl está na lista de decepções (ao lado de Wiz Khalifa, a quem eu devo ter inexplicavelmente entrevistado umas três ou quatro vezes e nenhuma delas, nenhuminha, tenha sido minimamente aproveitável).

Culpa minha, seis ou sete anos mais novo e menos experiente, obviamente, por pressupor uma abertura maior e uma disposição a falar sobre temas "além do básico" por parte de alguém reconhecidamente simpático, culpa de Dave Grohl, que tinha a cabeça em outro lugar e talvez não quisesse fazer a entrevista, culpa também de quem marcou o papo naquele dia e horário apesar dos outros compromissos do entrevistado. Principalmente, culpa desse sistema aniquilador de entrevistas vapt-vupt, curtíssimas, em série e por conexões geralmente ruins.

Ah, saiu uma matéria com Foo Fighters na Rolling Stone de janeiro de 2015, mas não com a minha entrevista em destaque. A edição apresentou uma tradução de um texto publicado na edição gringa da revista com Dave Grohl meses atrás (o que é permitido, tá?) e meu papo com ele teve merecidamente uma página de espaço apenas, com o que deu para aproveitar do papo insosso.

Todo dia 13 de janeiro (como ontem), o Facebook me lembra de um post no qual eu divulgava o papo para a minha rede. As memórias voltam na hora, a interrupção, as perguntas que erraram o alvo, os "yeahs" murchos.

Curioso, ouvi novamente ao áudio do papo daquele dia 29 de outubro de 2014 hoje cedo. Percebi, tantos anos depois, que embora estivesse atirando para lados diferentes tentando acertar algum alvo, a entrevista não foi tão terrível quanto eu lembrava.

O erro foi esperar que aquela seria uma entrevista fantástica e que criaríamos uma conexão instantânea. A verdade é que deve ser um saco ser o líder do Foo Fighters e ter que aguentar todos os jornalistas criando essa expectativa.

É a "maldição" de Dave Grohl, não é? Naquele dia, ele não estava a fim de ser o cara mais legal do rock. Simples (e humano), assim.