Los Hermanos previu o Carnaval solitário há 20 anos com Bloco do Eu Sozinho
"Todo carnaval tem seu fim"
É, foliões solitários do Brasil, o ano de 2021 marca o aniversário de duas décadas do fantástico disco "Bloco do Eu Sozinho", o álbum mais importante da música alternativa brasileira dos anos 2000 para cá — o que, convenhamos, não é pouco.
Sim, 20 anos. Estamos velhos.
O segundo disco dos barbudos Los Hermanos foi revolucionário por desapegar da estética "Anna Júlia" que fez sucesso no álbum anterior e, com isso, se desgarrar de um mercado fonográfico vampiresco.
Amparado por um universo musical que tinha espaço para sambinhas adoravelmente pretensiosos, guitarras e arranjos de sopros, falava sobre solidão, desajustes e saudade.
Nem o mais fanático entre os tão fanáticos fãs dos Los Hermanos poderia dizer que o "Bloco do Eu Sozinho", contudo, seria messiânico.
De certa forma, foi, não é?
Escrevo de um apartamento no centro de São Paulo. É sábado, 13 de fevereiro. A praça abaixo está vazia. Choveu o dia inteiro.
Nas redes sociais, a minha bolha lamenta a ausência das aglomerações neste ano e relembra carnavais passados, entre um ou outro post sobre BBB 21 e sobre a sempre inquieta política brasileira.
Quase não reconheço o centro de São Paulo em 2021. A essa altura, a rua estaria uma barulheira só.
Festas, bloquinhos, aglomerações, suores, beijos trocados, vozes roucas, garrafas e latas jogadas nas ruas polvilhadas de glíter não biológico, obviamente.
A Covid-19 parece ter colocado o mundo em um preocupante e perigoso estado de inanição. Isolamento social é importante para evitar o número de mortes siga neste alarmante crescimento. Quem pode, fica em casa.
Em 2021, portanto, não existe carnaval.
Quem quiser (e tiver cabeça para isso), que faça seu próprio bloco do eu sozinho.
Marcas de bebidas alcoólicas até tentam estancar a sangria com lives de artistas "carnavalescos", mas, convenhamos, não é a mesma coisa.
Como celebrar o carnaval sem aquele cheiro de urina misturado com cerveja quente que só as aglomerações carnavalescas proporcionam? Caminhar pela sala aqui é sentir ainda o odor dos produtos de limpeza de uma faxina nesta inimaginável manhã de sábado de carnaval.
No ano passado, esta seria a primeira manhã de ressaca, numa sangria que só seria estancada na quarta-feira de cinzas, quando as redes sociais seriam inundadas por citações de quem? Sim, os Los Hermanos.
Como será na próxima quarta, dia 17 de fevereiro de 2021? Existe fim de um carnaval que não começou?
Aí que volto a Marcelo Camelo, Rodrigo Amarante, Rodrigo Barba e Bruno Medina, o quarteto responsável pelo "Bloco do Eu Sozinho", produzido por Chico Neves.
Coloco, inclusive, "Bloco do Eu Sozinho" para tocar aqui enquanto escrevo e sento ao lado da janela aberta para sentir a brisa da noite fresca que seria bem-vinda em tempos de amontoamento sem risco de contágio.
Curioso como esse álbum, com seus vinte anos a serem completados oficialmente em julho de 2021, faça tanto sentido agora.
Da crise existencial da faixa de abertura, "Todo Carnaval Tem Seu Fim", para o rompimento e uma falsa sensação de superação de "Adeus Você", Los Hermanos criam a trilha para um carnaval que não existiu.
É engraçado, até, ouvir o álbum a partir da perspectiva de agora.
"A Flor" canta sobre esse gesto de amor que saiu pela culatra (alô, indiretas das redes sociais) e "Retrato Pra Iaiá" lida com a projeção que temos sobre quem amamos ("Como será quando a gente se encontrar?", canta Amarante, em um tempo pré-Tinder).
Términos dolorosos estão por todos os lados, também, como em "Assim Será", a terceira música do disco ("vou, mas não me peça para amar outra mulher que não você", clama Camelo), e na exagerada (e possivelmente canceriana, se você acreditar em signos) "Sentimental", de Amarante.
De forma geral, "Bloco do Eu Sozinho" foi compreendido na sua época.
"Meninos demais", diziam os críticos sobre "Los Hermanos", o primeiro álbum da banda, lançado em 1999. "Agora, soam exageradamente adultos", seguiram os jornalistas de música, ao analisarem o segundo disco.
A história toda do pré-lançamento é conturbada, também, e inclui uma gravadora p* da vida com a nova roupagem da banda e um pedido para que as músicas fossem regravadas com um novo produtor, algo rechaçado pelo grupo e por Chico Neves.
O "Bloco do Eu Sozinho" que ouvimos até hoje, contudo, passou por uma nova mixagem, assinada por Marcelo Sussekind, profissional que trabalhava com frequência com a gravadora Abril.
Ainda assim, foi dado um passo importante para o que hoje se entende como indie brasileiro. O "faça o que acredita" que flui pelos poros de "O Bloco" dita as ideias até hoje, direta ou indiretamente. Até então, tocar na rádio era fazer sucesso, certo?
Quando os Los Hermanos fizeram um disco que deliberadamente não se encaixava no formato radiofônico e vendeu parcas 35 mil cópias (na época), mas, mesmo assim, conseguiram uma projeção mais poderosa e angariaram novos fãs barulhentos, eles mudam o status quo.
Goste ou não da banda, foi um álbum importantíssimo para o que a música alternativa criou desde então.
Passados 20 anos, o "Bloco do Eu Sozinho" ainda é um disco que trata de sensações como não se encaixar, sobre lidar com um mundo que lhe é estranho, sobre estar só mesmo, sobre tudo o que você sentiu nesse último ano vivendo uma pandemia e potencializado pela solidão desses quatro dias em que você poderia ser o que quisesse, vestir fantasias e cantar pela rua.
É o retrato de um carnaval que não existiu. De ruas vazias, sem romances de esquina, sem bebidas baratas e maquiagens borradas.
De um não-carnaval melancólico, desacompanhado, enclausurado e com cheiro de desinfetante com perfume de lavanda.
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