Caetano Veloso tinha razão: até quando queremos ser o País dos linchadores?
Caetano Veloso escreveu, certa vez, que a mais triste das nações, em seus dias mais fétidos, é formada linchadores.
Há 30 anos, Caetano era preciso e precioso ao tratar do que hoje é chamado de "cultura do cancelamento", na música "Cu do Mundo", no álbum de 1991 de nome "Circuladô",
A mais triste nação
Na época mais podre
Compõe-se de possíveis
Grupos de linchadores"
Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. É a triste recorrência dos tempos virtuais.
Karol Conká foi eliminada do BBB 21. E com a rejeição histórica, como queria a turma do Twitter.
"O brasileiro mostrou que está aprendendo a votar": disseram trocentas pessoas nas redes sociais depois da saída da rapper.
Foi findada a existência de Karol Conká, a jogadora - que errou demais, como o UOL mostrou neste texto -, mas agora é o momento de voltar para o mundo real. A personagem de vilã do BBB chegou ao fim com a saída dela do programa.
Seja como a pessoa física de Karoline dos Santos de Oliveira ou como Karol Conká, a rapper, ela precisa ter a chance de absorver e entender como as atitudes dela em Curicica afetarão a vida pessoal e profissional a partir de agora.
O tribunal da internet julgou-a culpada, votou para a sua saída do reality show de forma histórica, mas também é importante que voltemos à humanidade e à empatia nas relações humanas.
Errou, sim. Um tombaço.
Isso não dá permissão a quem está do outro lado da tela, você leitor, o hater de Twitter, comentarista de WhatsApp ou o linchador de internet profissional, para se fantasiar de juiz e executor de uma punição definida por tuítes cruéis de até 280 caracteres.
Tão reprovável quanto as atitudes de Karol Conká, com os participantes Lucas Penteado e Juliette, é a fazer o mesmo com a artista agora.
Queremos repetir o que Karol Conká fez? Qual é a validade do absurdo e surreal discurso de que ela "merece" as tais agressões?
A voz que falar o contrário, que pedir por calma ou empatia, leva a advertência: "passadores de pano".
O que aconteceu com o mundo?
Só quem esteve dentro do BBB pode entender a pressão e as insanidades provocadas pelo confinamento televisionado - e, possivelmente, a atual edição do reality causa mais impacto que as anteriores, pelo tamanho da audiência e pela importância das redes sociais nas discussões sociais.
Karol Conká sobreviveu às asperezas que muita gente não sabe - e nem conseguiria lidar: como mãe ainda nova, como rapper, como mulher negra. Fez das agruras o combustível para músicas, feats e discos. Fez sucesso, ganhou dinheiro. Entrou no BBB como uma das artistas mais bem-sucedidas na história do programa e saiu da forma que todos viram ontem (24).
E nada do que Karol Conká viveu antes será parecido com o que a espera agora, nem de perto.
Tombada, cancelada, ameaçada, linchada virtualmente.
Que Karol Conká aprenda, que encontre o motivo do "desequilíbrio" (termo usado por ela para tratar do que fez no confinamento durante a entrevista ao programa "Mais Você", hoje cedo), que ela ressignifique todo o ódio destilado desumanamente em direção a ela. Como crescer e compreender o que aconteceu, se não há tempo para isso?
Especialistas de marketing digital e gerenciamento de carreiras artísticas já gastaram ideias de como a rapper pode recuperar o prestígio que se foi.
Talvez a música ajude-a no processo, como ocorreu nas outras rasteiras que a vida lhe deu - e, se Karol Conká ressurgir cheia de deboche, com um disco ótimo de nome "A Vilã", vou aplaudir a coragem.
Caetano Veloso tinha razão. Mais uma vez. Queremos ser o País dos linchadores até quando?
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