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Pedro Antunes

Arlo Parks, nova sensação do 'pop cafuné', quer ser sua melhor amiga

Arlo Parks  - Charlie Cummings / Divulgação
Arlo Parks Imagem: Charlie Cummings / Divulgação

Colunista do UOL

28/02/2021 20h42

Um clarão entrou pela janela. Contei os segundos (uma mania que tenho desde criança para determinar a distância do relâmpago). Um, dois, três, quatro, cinco? CABLAM! O trovão foi logo acompanhado dos latidos da minha cachorrinha que sempre se assusta esses barulhões.

Era fim de tarde de um domingo (28) preguiçoso. Faustão passa logo cedo na TV (com uma entrevista com Karol Conká), o BBB vai começar mais tarde porque tem final da Copa do Brasil num horário estranho.

Escreveria um texto com outra temática, mas a chuva que respinga nas janelas do quarto pedia por algo mais íntimo a ser tocado no fone de ouvido e por um café quentinho ao lado do computador.

Coloco para tocar "Collapsed in Sunbeams", o álbum de estreia de Arlo Parks, uma artista jovenzinha (de 20 anos, atualmente), uma das queridinhas de uma safra impressionantemente boa de novos músicos da cena inglesa - qualquer dia, escrevo sobre a banda de rock (ou bizarrock, dito como um elogio) chamada Black Country, New Road, também excelente.

Para o The Guardian, o mais importante jornal inglês, o disco é "como uma brisa quente em meio a um inverno miserável". O The New York Times diz que o primeiro trabalho da artista "oferece conforto, mas sem ilusões, no disco de estreia".

Muito mais do que pop do quarto

"Conforto", como descreveu o grande crítico Jon Pareles, do NYT,, é uma palavra que definitivamente se aproxima da obra tão promissora da jovem inglesa.

Mas mais do que associar o som da artista àquela sensação de passar a tarde com calças de moletom (o que, para mim, é a definição mais perfeita de "conforto"), "Collapsed in Sunbeams" oferece o refúgio.

O álbum de Arlo Parks é um cafuné. Um colo que abriga a nossa cabeça pesada por pensamentos demais, enquanto canta sem grande esforço acima uma base almofadada de beats, pianos, sintetizadores e guitarras lo-fi (ou seja, sem definição cristalina, com pequenos e adoráveis ruídos).

A criação de músicas essencialmente pop (no sentido de não serem experimentais demais) em ambientes caseiros e um aspecto intimista e confortável, é chamado de bedroom pop, algo como "pop de quarto".

Quando conversei com Arlo ao telefone, numa manhã de terça-feira, ela dizia não se importar com rótulos criados por críticos, plataformas de streaming, ou enfim, por qualquer um. Não falou isso de uma maneira pedante, tipo alguns artistas que tem vontade de dizer "mundo que se f***", mas, sim, em um tom de complacência e entendimento.

"Bedroom pop, o termo ou gênero. O que você acha de ser colocado nesta caixinha?", perguntei.

"Toda vez que algo novo aparece, as pessoas querem encontrar formas de entender aquela linguagem, colocar em caixa ou categorias. Eu entendo isso. Eu faço o que eu faço, apenas, mas se precisarem chamar de uma outra coisa, por mim, tudo bem. Fiquem à vontade."

Um pouco de esperança

A primeira coisa que posso contar sobre Arlo Parks é que ela é bastante acessível. Falamos por uma ligação de voz via WhatsApp (o que significa que tenho, sim, o contato salvo na minha agenda), às 8h e pouco da manhã. Torci para que não fosse uma entrevista em vídeo porque, assim, poderia falar com ela ainda de pijama - uma das vantagens do home office, sem dúvida.

Tenho o costume de analisar o perfil de WhatsApp de cada artista que tenho acesso, é algo divertido. Por anos, um jogador de futebol que já foi cotado para integrar a lista de melhores do mundo, tinha o vilão de Rocky 3 (o ator Mr. T) como imagem de perfil; um cantautor brasileiro tem a imagem de Jeff Bridges no filme "O Grande Lebowski".

Arlo é ela mesma. E ainda acrescenta uma descrição personalizada em vez daquelas automáticas do tipo "dormindo" e "na academia". O "zap" dela diz: "Probably listening to Aldous Harding" (algo como "provavelmente ouvindo Aldous Harding", que é uma artista galesa de pop bastante interessante - caso querira conhecer, comece com "The Barrel").

Arlo Marks - Charlie Cummings / Divulgação - Charlie Cummings / Divulgação
Arlo Parks
Imagem: Charlie Cummings / Divulgação

Em Londres, onde Arlo estava quando atendeu à minha ligação, já eram 11h da manhã. Logo de cara, ela diz ser fã das palavras e que, aliás, já cogitou ser escritora ou até jornalista - revelação que fez minha espinha gelar só de imaginar este talento sendo subaproveitado e mal pago em redações por aí, como acontece com frequência, mas disfarcei bem.

As palavras fazem parte do dia a dia da artista pequena. Com sete ou oito anos, escrevia contos, por exemplo. "Sempre busquei entender o mundo", ela explica. "Quis estudar literatura inglesa também", revela.

De certa forma, é disso se trata "Collapsed in Sunbeams". Arlo Parks escreveu canções como se fizesse contos sobre a euforia da descoberta e as desilusões ao compreender que a vida adulta não é exatamente maravilhosa como pensávamos quando adolescentes.

Entre feridas e novas cicatrizes, Arlo Parks desbrava a existência de uma geração nascida nos anos 2000. É uma visão de mundo completamente diferente, por exemplo, da geração dos anos 80, na qual me incluo.

A maturidade dos versos da artista é realmente surpreendente. E digo isso a ela.

"Escrevi todas as canções do disco no último ano", explica Arlo. "Compus tudo pensando que essas eram lições da vida adulta e que retratavam os momentos responsáveis por me moldarem e me transformarem em quem eu sou hoje."

O que me fez pensar que, se eu compusesse um disco aos 20 anos, provavelmente descreveria minha incapacidade de aprender a como jogar Truco, quais bares próximos à faculdade de jornalismo que vendiam a cerveja mais barata e sobre as técnicas criadas para disfarçar o cheiro dos cigarros fumados escondido.

Arlo Parks - Charlie Cummings / Divulgação - Charlie Cummings / Divulgação
Arlo Parks
Imagem: Charlie Cummings / Divulgação

"Os momentos que trago no disco", segue dizendo Arlo, fazendo com que eu interrompa meu pensamento sem sentido, "são aqueles que julguei os mais importantes para a construção de quem eu sou hoje."

Cada canção do álbum é um recado, um ombro amigo para momentos de solidão. "Green Eyes" e "Black Dog", por exemplo, são músicas para se ouvir depois de perder alguém. Já em "Hope", ela assume o papel de ombro amigo em um discurso extremamente motivacional e sem rodeios.

"Você não está sozinho como você pensa", canta ela. "Todos nós temos cicatrizes, eu sei que é difícil".

Peço para saber mais sobre como a experiência de reviver tantos acontecimentos marcantes de uma existência e transformá-los em um disco justamente em um ano de tanta autorreflexão, no qual o mundo parou diante da Covid-19.

"Quando assinei com a [gravadora] Transgressive Records, tive zero pressão por parte deles. Me disseram para levar o tempo necessário e experimentar o que fosse. E isso fez o processo ser tão proveitoso. Trabalhei essas canções durante o lockdown aqui na Inglaterra e pude experimentá-las", ela explicou.

O período de distanciamento social tirou dela, contudo, a chance de ver o público cantar suas canções ao vivo em shows ultra hypados. Arlo explica que transformou o novo período de clausura na Inglaterra em mais um espaço para reflexão.

"Tenho seguido trabalhando. Uso o tempo para escrever música, para escrever poesia. Estou indo devagar, enchendo o dia de atividades, entrevistas, recarregando as baterias depois de 2020 e aprendendo a tocar essas músicas na guitarra."

"Collapsed in Sunbeams" foi lançado em janeiro. Embora fosse um período de calor e verão aqui no Brasil, na Inglaterra, é quando o inverno é pesado e os dias são escuros, frios e curtos.

"São os meses mais sombrios", diz Arlo, "e por isso quis criar algo que oferecesse um acalanto."

Chá ou café?

Enquanto falava com Arlo, a caneca cheia de chá esfriava ao lado do computador. Do outro lado da linha, a artista bebericava um café, como ela me disse.

"Todo o disco foi escrito desta forma, algo mais pessoal. Éramos eu, meu produtor Luca [Gianluca Buccellati] e uma xícara de café", explica.

Algo durante essa frase me fez reparar no vapor que evaporava do chá ao lado do computador naquele momento da entrevista. Dançava livre, sob a luz do sol que começava a invadir a mesa do quarto.

De alguma maneira, consegui imaginar Arlo Parks em seu processo de criação solitário. Também com uma caneca fumegante ao lado, ela revisitava memórias e as ressignificava em poesias ou versos.

Quando coloquei a caneca de café na escrivaninha e abri o notebook para escrever no início desta tarde que já acabou, foi essa cena de Arlo compondo que me veio à mente e me fez escrever esse texto.

Mais do que qualquer categorias usadas para traduzir o som dela, como bedroom pop, R&B, indie pop ou o que for, Arlo cria canções que soam como a dança do vapor que sobe de bebida fumegante, café ou chá no início de tarde.

Flui por gêneros e acordes sem uma direção obrigatória. Ela simplesmente existe ali, livre. E acalma.

Com isso, a artista apresenta um dos discos pop mais importantes do ano - sim, digo isso ciente de estarmos ainda no último dia fevereiro.

Chamo de "pop cafuné" por isso. Como um carinho, um colo e uma bebida quente, Arlo Parks quer ser sua melhor amiga com esse álbum que funciona como o antídoto para gasturas, fantasmas, medos e ansiedades de um 2021 tão sombrio e inquietante.

E, às vezes, é só disso que precisamos: um refúgio.